Os debates recentes em torno do Centro Dom Bosco, conquanto tenham lançado muitos à febre da intemperança, têm servido, ao mesmo tempo, como ocasião para purificar as premissas da controvérsia. Nada como o fogo da discórdia para revelar os metais autênticos de um argumento — ou, pelo menos, separar o ouro das latas.
A última das querelas envolve católicos chamados conservadores que reagem com certa indignação ao apelo de católicos tradicionais para que se “abrace a Tradição”. O fundamento da objeção parece, à primeira vista, razoável: todo fiel que cumpre os preceitos da Igreja seria, em sentido pleno, um católico tradicional. Mas o problema — como quase sempre ocorre nos debates modernos — não está na lógica, mas na linguagem.
Tal objeção, todavia, revela mais uma incompreensão do que propriamente um argumento. Em geral, os chamados católicos tradicionais não empregam a expressão “aderir à Tradição” em sentido meramente canônico ou jurídico, como se bastasse observar os preceitos mínimos da fé. Trata-se, antes, de uma experiência existencial e espiritual: a redescoberta — muitas vezes tardia — da liturgia perene e dos costumes imemoriais da Igreja, quase sempre ausentes das paróquias comuns.
Expressões como “conheci a Tradição” ou “reencontrei a Tradição” nada mais são do que metonímias para descrever essa realidade interior: o assombro diante da liturgia tradicional, o encantamento de quem, pela primeira vez, respira o ar dos séculos, e não o hálito rarefeito das modas transitórias, e o grito de quem, após longo exílio, retorna à pátria. É sobretudo nos ambientes tridentinos que o fiel experimenta, muitas vezes pela primeira vez, essa impressão de eternidade: o contato concreto com a Tradição viva, que não envelhece porque, sendo verdadeira, permanece.
Dizer, portanto, que “toda missa é tradicional” ou que se assiste à “tradicional missa da paróquia do bairro” é, no mínimo, uma forma requintada de autossabotagem — ou melhor, uma forma velada de mentir para si mesmo. A honestidade intelectual exige reconhecer que, em muitas paróquias, o latim desapareceu, o canto gregoriano extinguiu-se, os paramentos clássicos foram relegados ao esquecimento e os costumes imemoriais da Igreja simplesmente deixaram de existir há décadas. Não se trata, aí, de uma questão de gosto pessoal, mas de uma constatação da ruptura cultural e espiritual com o passado.
É nesse ponto que a ironia se impõe: muitos católicos acham que podem preservar a Tradição sem jamais tocá-la. Como um homem que quisesse herdar o patrimônio de família sem nunca visitar a casa dos avós, nem abrir os baús, nem cheirar os livros.
Aqueles que conhecem, ainda que superficialmente, a realidade litúrgica da maioria das igrejas modernas sabem que canções como Romanos 12, entoadas por certos grupos ditos piedosos, não reproduzem — nem remotamente — a experiência da Tradição. Ao contrário, produzem uma espécie de anestesia espiritual, na qual se dissimula a ausência do sagrado com gestos mecânicos e palavras ocas. Persistir em negar essa evidência, sob pretexto de zelo ou obediência, é fechar os olhos ao que salta aos olhos: é escamotear a realidade com fórmulas inócuas — ou, para usar a palavra justa, é faltar com a verdade.
Liturgistas como Klaus Gamber sustentaram que o rito de Paulo VI, por sua gênese e estrutura, seria um criação essencialmente contemporânea, não podendo fornecer uma experiência autêntica da Tradição. Bento XVI, mais otimista, sugeriu que esse rito podia dar essa experiência sendo fecundado pela forma clássica, numa espécie de “mutua enricchitura”. Mas, qualquer que seja a posição, um fato permanece: a maioria esmagadora das paróquias não fornece, nem na forma nem no conteúdo, uma experiência sensível da Tradição. Fala-se da eternidade, mas tudo cheira ao efêmero.
Por isso, afirmar que o rito romano tradicional tem sido, nas últimas décadas, o principal veículo da experiência concreta da Tradição não é juízo opinativo, mas constatação empírica. Sem ele, é ilusório pensar numa restauração da memória litúrgica e espiritual que a Igreja contemporânea tanto necessita.
Eis, portanto, o núcleo da proposta tradicionalista: “aderir à Tradição” significa reconciliar-se com as fontes vivas da fé, reencontrar o elo perdido entre o presente e o passado eclesial. Foi essa também a intenção manifesta de Bento XVI ao liberar generosamente a Missa Tridentina, com vistas a permitir que a Igreja “se reconcilie consigo mesma”. E se a reconciliação requer memória, a Missa Tridentina é seu álbum de fotografias: apagá-la seria como apagar a própria identidade.
A esse respeito, vale recordar uma lição do Pe. Chad Ripperger. Ao comentar a visão de Leão XIII sobre os cem anos de liberdade concedidos por Deus a Satanás para tentar a Igreja, o sacerdote observa que tal período simboliza o ataque sistemático a tudo quanto é imemorial. Satanás, ao pedir esse tempo, desejava justamente destruir os monumentos da Tradição. Recuperá-los, portanto, é a missão própria do católico tradicional: missão de resistência, de testemunho e de restauração.
É nesse contexto que se compreende, em toda a sua legitimidade, o convite dirigido aos fiéis de outros movimentos e sensibilidades a que conheçam e abracem a Tradição. Não se trata de exclusivismo, mas de coerência histórica e doutrinal. Tradição não é apenas aquilo que acontece dentro da Igreja, mas aquilo que, dentro dela, se transmite com longevidade e universalidade. Um carismático ou um membro do Caminho Neocatecumenal pode, sem dúvida, ser um católico fiel. Mas não pode, por definição, ser considerado tradicional. E a razão é simples: a Tradição exige tempo. A Tradição não se improvisa — ela amadurece no tempo. Um movimento cujo modo de ser tem quarenta ou cinquenta anos pode ser válido, mas ainda não é tradição: é juventude e juventude com todos os seus erros. A juventude pode não ser culpada por eles; mas tampouco pode ensinar com a sabedoria dos anciãos. Não se trata aqui de censura doutrinal, mas de um juízo cronológico.
Em suma: o convite a “abraçar a Tradição”, quando bem compreendido, é mais do que legítimo — é necessário. Pois a crise da Igreja contemporânea é, em boa parte, uma crise de amnésia. E quem perde a memória perde o nome, o rumo e até a fé. Porque não se apaga a memória da Esposa de Cristo sem apagar, pouco a pouco, o rosto do próprio Senhor.
Ainda sobre a publicação pelo Centro Dom Bosco do livro "Erros do Catecismo Moderno" de Michael Haynes.
A análise serena das relações entre a Santa Sé e os institutos tradicionalistas revela um dado pouco considerado, mas de grande relevância teológica e pastoral: nos acordos firmados com os institutos provenientes da antiga Comissão Ecclesia Dei, jamais se exigiu, como condição prévia de reconciliação, a retratação das críticas feitas ao Concílio Vaticano II por parte dos sacerdotes aderentes.
Pelo contrário, tais acordos reconhecem que, diante de certos pontos doutrinários e disciplinares do Concílio ou das reformas eclesiásticas subsequentes, que pareçam difíceis de conciliar com a Tradição — entendida aqui como a transmissão viva e orgânica da fé apostólica —, os institutos possam adotar uma postura de estudo respeitoso (FSSPX, 1988) ou até de crítica (IBP, Ato de Adesão), desde que se evitem manifestações de polêmica desnecessária.
A Instrução Donum Veritatis, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1990, esclarece este ponto de forma inequívoca. Como demonstrou com acuidade o professor Edward Feser, a crítica teológica — quando realizada dentro dos limites da fé, da caridade e da fidelidade ao Magistério — não se identifica com a dissidência. Ademais, como, por sua vez, apontou o Dr. William May, a crítica assume maior legitimidade quando se volta à luz da Tradição para examinar declarações magisteriais recentes que, à primeira vista, pareçam em dissonância com os ensinamentos anteriores do mesmo Magistério.
Ora, confrontar o Magistério recente com o anterior é justamente a essência da crítica tradicionalista. E talvez por isso mesmo ela seja mais suportada — não por condescendência, mas por coerência — do que a crítica protestante, que não se ergue sobre o fundamento de Pedro, mas sobre o vácuo do livre exame absoluto.
Nesse sentido, o "Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae" é um exemplo luminoso de crítica severa, porém inteiramente tolerada dentro dos limites indicados pela própria Igreja. E outros livros, publicados por padres oriundos dos institutos ex-Ecclesia Dei, seguem a mesma toada: crítica reverente, ainda que firme, como um monge que repreende um imperador.
Cumpre ainda afastar um equívoco frequentemente repetido: a Donum Veritatis não exige que a crítica teológica seja exercida exclusivamente em foro privado, como se o fiel ou o teólogo devesse submeter suas dúvidas apenas ao bispo diocesano, em caráter confidencial, como fazem crer certas opiniões piedosas, mas insensatas. O que a Instrução reprova, com inteira justiça, é a instrumentalização da crítica por meio da mídia de massa, utilizada como instrumento de pressão ou agitação, o que não raro redunda em escândalo ou confusão para os fiéis. A crítica pode ser pública — sobretudo em obras teológicas ou acadêmicas —, mas deve ser sempre sóbria, reverente e construtiva.
Dessa forma, é plenamente possível publicar um livro crítico ao Catecismo promulgado em 1992, contanto que tal obra se paute pelo respeito devido ao Magistério da Igreja e se inspire em espírito de serviço à verdade revelada.
É precisamente neste ponto que se manifesta uma falha recorrente em certos meios tradicionalistas: a tentação da linguagem injuriosa, que em nada contribui para a edificação da fé. O título original da obra de Michael Haynes — A Catechism of Errors — é, sob qualquer critério eclesial, irreverente e desproporcionado. Nada impedia que o autor adotasse um título mais sóbrio e científico, como "Exame Crítico do Catecismo de 1992", que teria exposto sua tese com a dignidade que o tema exige. O Centro Dom Bosco, ao traduzi-lo como "Os Erros do Catecismo Moderno", buscou conferir maior moderação à proposta, mas o esforço acabou neutralizado pela estratégia publicitária da obra, que reforçou o tom polêmico e acentuou o desconforto.
Tais equívocos de forma, embora não alterem substancialmente o conteúdo da crítica, prejudicam sua recepção entre os fiéis, pois o público, que não é teólogo, reage não ao conteúdo do livro, mas ao tom da voz. O resultado é que se deixa de ouvir um argumento e se passa a denunciar um “ataque à Igreja” — e às vezes, com razão. Ao invés de suscitar o debate sereno e o exame objetivo, esses equívocos alimentam suspeitas e reações defensivas. E assim se compreende que muitas críticas feitas à obra não digam respeito à substância do argumento, mas à sua apresentação imprudente.
Mas, antes de tudo isso — antes do barulho, antes da polêmica, antes do escândalo — há uma virtude primária, que já foi chamada de justiça, e que hoje é confundida com curiosidade: ler o livro antes de criticá-lo.
Pode parecer pouco. Mas é o primeiro passo para qualquer católico que deseje defender a verdade com aquela virtude de que tanto falamos e tão pouco praticamos: a caridade.
O Centro Dom Bosco publicou um livro de Michael Haynes a respeito dos problemas do Catecismo amarelo — e, francamente, não é isso que causa espanto. O CDB vem marchando para cada vez mais perto da Fraternidade São Pio X.
O que, sim, surpreende — e até diverte — é perceber quão numerosas são as almas que nunca ouviram falar do movimento tradicionalista, nem do estranho e velho ofício de discutir apaixonadamente dentro da mesma Igreja. Como se alguém estranhasse que irmãos brigassem na mesma casa por amor ao mesmo pai. São almas que desconhecem por completo as questões que o tradicionalismo introduz nos debates da vida eclesial.
Durante certo tempo, as discussões sobre o Concílio Vaticano II e seus efeitos na vida da Igreja pareceram recolher-se como soldados feridos à sombra de um hospital de campanha — ou melhor, de um pontificado de campo. O “efeito Francisco”, com sua força centrífuga e sua lógica desconcertante, conseguiu adormecer — ou ao menos distrair — os debates teológicos mais profundos com uma avalanche de gestos, improvisos e perplexidades pastorais.
Diversos setores tradicionalistas, bem como alguns segmentos conservadores, foram constrangidos a suspender disputas internas para se unirem na tentativa de compreender e enfrentar um pontificado que, com inquietante clareza, demonstrava resistência, quando não repulsa, à herança doutrinal e litúrgica de viés conservador/tradicional.
O Papa Francisco introduziu no governo da Igreja um estilo inédito entre os pontífices pós-conciliares: mais alinhado às tendências progressistas, não raro marcado por improvisações teológicas, termos recém-criados ("Igreja sinodal", "Igreja samaritana"), e uma retórica frequentemente crítica à Tradição (“indietrismo”, por exemplo). Em consequência, debates outrora centrais — como o significado preciso do subsistit in da Lumen Gentium, a natureza da liberdade religiosa ou o problema teológico do monoteísmo comum com os muçulmanos — foram substituídos por urgências mais imediatas: a disciplina da Eucaristia em casos irregulares, a aprovação implícita de bênçãos a uniões contrárias à moral natural, a severa restrição à Missa tridentina, bem como declarações desconcertantes relativas ao inferno ou ao valor salvífico universal das outras religiões.
Enquanto os tradicionalistas combatiam, no Brasil, floresciam, como brotos em terreno alternativo, os chamados “Missionários Digitais”. Eram apóstolos de outro campo de batalha: mais catequético, mais motivacional, mais instagrâmico. Para eles, as discussões dos tradicionalistas soavam como murmúrios em latim numa estação de metrô. Seus seguidores — em sua maioria recém-convertidos ou neófitos entusiasmados por Frei Gilson e por The Chosen — buscavam fervor, consolo, louvor e estética. A teologia, no entanto, ficava num canto da sala, como um avô cansado. Nomes como Allan Carrion, Santa Carona, Segundo Católico, Colo de Deus e Católicos de Verdade dominavam esse cenário, promovendo um catolicismo acessível, emocional e oficialista — quando não apenas alheio à crise, ao menos inconsciente dela.
Junto a esse universo, erguia-se ainda a torre dos influenciadores do marketing católico, formados na escola pragmática de Ítalo Marsili, Ícaro de Carvalho e, claro, do sempre discreto Opus Dei. Foi uma época em que choveram — como maná requentado — frases de São Josemaria Escrivá e exortações a uma vida de sucesso profissional com oração matinal, missa diária e virtudes bem diagramadas — tudo isso, porém, sem encarar o elefante eucarístico na sala: a ruína da liturgia, o silêncio cúmplice de maus pastores, a decadência doutrinal. Temas que os tradicionalistas, quase sozinhos, continuavam a debater como quem tenta reacender uma lâmpada numa catedral sem luz. Era, muitas vezes, uma espiritualidade de bons costumes e bons contratos.
Com a morte do Papa Francisco, o quadro se transforma. Os tradicionalistas e essas duas correntes que antes corriam em paralelo — missionários digitais e influenciadores pragmáticos — começam a se olhar nos olhos. Muitos “Missionários Digitais” e dos seus seguidores, ainda sem compreensão adequada da teologia e da eclesiologia tradicionalista, reagem ao tradicionalismo como uma criança reage a um trovão: com medo, risos nervosos e, sobretudo, sem entender. E tentam nomear o que não compreendem com palavras herdadas do susto: "sedevacantismo", "protestantismo". Quando, na verdade, tudo não passa do eterno retorno de uma questão que se recusa a morrer: afinal, qual o tamanho que o Vaticano II deve ter na vida católica? Por sua vez, os influenciadores de matriz liberal-católica, como aqueles vinculados ao universo de Marsili e afins, encontram-se em visível declínio. Como o catolicismo nunca foi o centro de suas atividades, a progressiva secularização de seus perfis, agora mais profissionais, confirma uma orientação mais voltada ao sucesso pessoal do que à integridade da fé.
E assim, o que se desenha no horizonte não é o apaziguamento da controvérsia, mas o seu renascimento. O antigo debate sobre o Vaticano II — como um fogo soterrado sob as cinzas — começa a reacender. Tradicionalistas e continuístas retomam seus postos no front, e os fiéis dos missionários digitais, como ovelhas surpreendidas pelo fogo nos dois lados do campo, acabarão se alinhando, cedo ou tarde, a um dos dois exércitos.
Em suma, o que se anuncia não é o fim de uma era, mas o juízo de sua consistência. O “efeito Francisco”, por mais desconcertante que tenha sido, serviu — como um estranho profeta de fábula — para revelar as fragilidades e descompassos da vida católica contemporânea. Mostrou-nos que há um tradicionalismo que resistiu não por nostalgia, mas por convicção; e que há um catolicismo midiático que, por evitar as perguntas difíceis, agora precisa dar respostas inevitáveis.
É evidente — e há evidências que não se provam, mas se sentem, como o perfume de uma vela recém-apagada — que existem tradicionalistas feridos, desconfiados, com olhos treinados para ver o erro antes da esperança. Homens endurecidos pela guerra, tão acostumados ao cerco que já não sabem distinguir o soar dos sinos do estourar das bombas. Sim, alguns deles ainda esperam o “Papa tradicional” como se esperassem um comandante para a última cruzada. E se não o veem surgir no balcão da bênção, franzem o cenho e armam o coração.
Mas eis o milagre: a maioria dos grandes nomes do Tradicionalismo, esses mesmos que há pouco estavam nas trincheiras, levantou os olhos... e baixou as armas. Porque não é sempre que o céu troveja — às vezes ele chora, às vezes sorri. E desta vez, parece que sorriu.
No dia 1º de Leão XIV, não ouvimos o som de escudos se batendo, nem de lanças se quebrando. O que ouvimos foi mais parecido com um suspiro.
— Taylor Marshall, que alguns esperavam encontrar de espada desembainhada, disse simplesmente: “Eu me submeto a Leão XIV.”
— Peter Kwasniewski, que raramente escolhe palavras leves, afirmou com sobriedade: “Considero esse pânico com Leão XIV um erro.”
— Michael Matt, veterano das trincheiras, exclamou: “Devemos dar a Leão XIV o benefício da dúvida. Não há razão para entrarmos em pânico.”
— Bonifácio, do Unam Sanctam, confessou, quase com ternura: “O Papa Leão parece ser um homem genuinamente bom. Senti por ele um afeto paterno sincero.”
— E o editorial do Rorate Caeli, com uma simplicidade desarmada, escreveu com singeleza: “Podem nos criticar o quanto quiserem, mas sentimos uma afinidade cada vez mais calorosa por Leão XIV. Que os católicos tradicionais deem ao novo Papa o amor, a estima, o respeito e as orações que ele merece. Livremente, sem medo, esperando o melhor.”
Ora, isso não é pouco. É como ver, depois de uma longa noite difícil de batalha, a primeira linha dourada da alvorada. Durante os últimos anos, o clima na Igreja foi de guerra — uma guerra fria, silenciosa e invisível, mas profundamente real. As palavras carregavam pólvora. Os olhares, suspeita. E os fiéis andavam como quem pisa em terreno minado, sem saber onde ainda se podia amar a Igreja sem ser acusado de ódio.
Mas, de repente — como num desses momentos em que o Céu resolve brincar de poeta — tudo mudou.
Não veio o raio. Não veio o trovão. Veio... uma brisa. Suave. Como aquela que Elias ouviu na caverna. Como o sopro que antecede a paz. Como a mão de uma mãe no rosto do filho assustado.
E então todos se entreolharam, como que saindo de um pesadelo, e perguntaram baixinho num misto de confusão e esperança: “Foi... Deus?”
E o que se seguiu foi estranho, belo, inesperado: do medo, nasceu o alívio; e do alívio, uma alegria tímida, mas verdadeira. Uma alegria que não grita nem dança, mas que chora em silêncio. Como quem, depois de muito tempo, reencontra um pai. E percebe que ainda é filho.
Muitos, ao olharem o trono de Pedro, esperavam encontrar um administrador tirano de ruínas, um burocrata de esperanças mortas, um eco do passado recente. E então — num gesto tão calmo que pareceu eterno — apareceu um homem que disse: “É necessário que Cristo cresça e eu diminua.”
Esperávamos um lobo. E vimos o Bom Pastor.
É uma dessas viradas que só o Céu sabe fazer. É uma daquelas ironias divinas em que só podemos sorrir, desconcertados e agradecidos.
Os católicos tradicionais foram pintados nos últimos tempos como se fossem demônios vestidos de rendas, vampiros da sacristia, inquisidores ressuscitados das cinzas. E ainda há viúvas de tiranias que os tratam como tal. Mas eles — injustamente acusados, caricaturados, abandonados como se fossem filhos malditos da própria Igreja — não pediam um papa tradicionalista. Pediam um pai. E agora que o veem surgir, muitos se descobriram prontos para amar — não por estratégia, nem por cálculo, mas porque o coração, depois de muito tempo sob o peso da cruz, finalmente respirou.
A verdade é que não viam a hora de poder amar novamente o pai. Porque o Papa não precisa ser um tradicionalista para ser amado. Basta, como Cristo, ser pai.
Com a morte do Papa Francisco, desapareceu da cena da história um dos pontífices mais comentados do último século — e, talvez, o único capaz de despertar ao mesmo tempo aplausos de protestantes liberais, suspiros de ambientalistas suecos e prudente silêncio de católicos que ainda acreditam no Catecismo. Mas o que se tornou mais evidente com sua partida foi um curioso fenômeno que floresceu em sua sombra: o culto à personalidade.
É um paradoxo digno de Chesterton: um Papa que dizia combater os personalismos se tornou o ídolo de um novo tipo de culto — o culto à figura do homem que destrói os cultos. Seus admiradores, em meio a lágrimas sinceras e hashtags performáticas, atribuem-lhe títulos que fariam corar os santos e estremecer os doutores: “O melhor Papa da modernidade”, dizem uns. “O maior dos últimos 500 anos”, garantem outros. E quem os proclama? Profetas de Nárnia, como Mike Lewis, ou paladinos do catolicismo líquido como Carlos Ramalhete. Nos portais progressistas, como o Where Peter Is, a impressão não é de que “onde está Pedro, está a Igreja”, mas sim de que “onde está Francisco, ali começa o Evangelho”.
No entanto, ao examinarmos serenamente seu legado — com o mesmo olhar que um camponês lança ao campo depois de uma tempestade —, não encontramos a solidez de uma grande colheita, mas sim a umidade de muitas palavras. O que se vê é mais bruma do que edifício, mais movimento do que direção. Passemos, pois, ao exame.
1. Uma Pastoral de Desconstrução
O Papa Francisco parecia entender a pastoral como um instrumento mais elástico do que sólido. Sua preocupação, ao que tudo indica, não residia tanto na reverência aos sacramentos quanto na utilidade que deles se podia extrair para os dramas contemporâneos. Por exemplo, ele validou as confissões dos padres da Fraternidade São Pio X — um gesto que, embora carregado de aparente misericórdia, gera algumas questões teológicas do tipo que fazem seminaristas suarem frio. Se a Fraternidade está em cisma, como muitos de seus defensores sugerem, então suas confissões não deveriam ter validade. E se as confissões foram validadas, talvez o cisma não seja tão cismático assim — ou então a teologia moral virou uma espécie de origami espiritual.
Outro caso emblemático é o da Sra. Nancy Pelosi. A congressista norte-americana, devota do aborto como se fosse um sacramental moderno, foi proibida de comungar por seu arcebispo, Dom Cordileone. Mas o Papa, em vez de reforçar a sanção, criticou-a como “uso político” da Eucaristia — e recebeu Pelosi de braços abertos no Vaticano. E assim, em nome de evitar o uso político dos sacramentos, usou-se politicamente o sacramento.
Aqui, algo se inverteu: a consciência subjetiva foi posta como rainha, e a norma objetiva, como criada silenciosa. A moral foi dobrada à psicologia, e a Tradição, submetida a um novo Magistério — o da compaixão ambígua. Esta tornou-se um critério autônomo, e a coerência, um incômodo.
2. Documentos como Enigmas
O pontificado foi fértil em documentos — alguns doces como colinas de Assis, outros densos como os desertos de Qumran. Há quem os leia com entusiasmo, e há quem precise de exorcista e gramático. Os textos que mais marcaram este tempo não foram os que confirmaram a fé, mas os que exigiram novas comissões para explicar o que, segundo os Apóstolos, deveria ser claro como a luz da manhã.
Traditionis Custodes tratou a Missa dos séculos como se fosse um desvio disciplinar. Amoris Laetitia insinuou que há pecados com os quais Deus decidiu conviver. Fiducia Supplicans ofereceu bênçãos que não abençoam, para uniões que não se santificam. O Catecismo foi mudado para condenar o que antes era permitido, como a pena de morte. E a declaração de Abu Dhabi sugeriu que todas as religiões são dons de Deus — o que é, ao mesmo tempo, confortador e aterrador, pois significa que a Cruz de Cristo teria sido um mero gesto estético.
Havia ali uma nova linguagem. Não herética de forma, mas enigmática de substância. Uma linguagem que parecia saída de parábolas pós-modernas, onde ninguém é condenado, ninguém se converte, e ninguém mais sabe o que é pecado — mas todos são acolhidos, inclusive os erros.
3. Governo eclesial ou partido sinodal?
Francisco se notabilizou por promover maus amigos e afastar bons adversários. Nomeou bispos e cardeais de inclinação progressista com uma constância quase matemática. Um de seus últimos gestos foi promover Robert McElroy, conhecido por defender ideias bastante criativas sobre a ordenação feminina, ao arcebispado de Washington. Entre tantos nomes possíveis, escolheu exatamente aquele que faria a tradição suspirar — não de alegria, mas de susto.
Por outro lado, tratou com rigorosidade bispos ligados à liturgia tradicional ou a doutrinas “demasiado claras”. Fez do Instituto João Paulo II um campo de reeducação pastoral. Quando o aborto estava prestes a ser aprovado na Argentina, sua pátria natal, sua reação foi tão discreta quanto um suspiro num show de rock.
4. Sínodos Sem Fim e Fins Sem Sínodo
O pontificado foi marcado por reuniões — muitas, longas e ruidosas. Mas reuniões são o substituto moderno da ação. O Sínodo da Amazônia terminou em Pachamama. O da Sinodalidade, que ainda se desenrola, segue em curso como um rio que se recusa a encontrar o mar. Foi tão inovador que acolheu votos leigos — porque, afinal, ninguém melhor do que um sociólogo de ONG para orientar a Igreja Universal.
5. A Herança: Uma Igreja Polarizada
O fruto visível de tudo isso é a polarização. A Igreja, outrora dividida entre fiéis e pecadores, entre judeus e gentios, entre monges e bárbaros, agora se divide entre “francisquistas” e “tradicionalistas”. E o próximo Papa, seja ele um novo Leão, um novo Gregório ou apenas um novo João, já nascerá cercado por expectativas e rejeições. Não será recebido como pai universal, mas como herdeiro de uma guerra civil.
O Pe. Allan Victor Marandola exprimiu bem: o novo Papa será julgado antes mesmo de falar. E talvez este seja o maior legado de Francisco — não a misericórdia, mas a tensão. Não a inclusão, mas a ruptura. Um Papa que desejou ser ponte, mas foi, inadvertidamente, um divisor de águas.
Conclusão
O tempo do Papa Francisco passou — como todos passam. Seus gestos serão pesados. Seus escritos, debatidos. Suas decisões, revisadas. Mas a Igreja continuará, porque ela não repousa no carisma de um homem, mas no corpo místico de um Deus humanado.
Roguemos, pois, para que o próximo pontífice governe não com astúcia política, mas com sabedoria de profeta; que una os filhos dispersos, não por manobras sinodais, mas pela verdade que liberta.
"Santifica-os na verdade: a tua palavra é a verdade." (Jo 17,17)
Porque a Igreja, afinal, não foi feita para agradar os tempos. Foi feita para salvá-los.
O novo Papa — seja quem for, venha de onde vier, com os traços de Pedro ou os gestos de Apolo — terá diante de si não uma página em branco, mas uma folha manchada. Haverá feridas a suturar, pilares a restaurar e, sobretudo, a coragem de desagradar aos que vivem da paz dos compromissos ambíguos. Três tarefas se impõem com urgência: libertar o sagrado, anunciar o verdadeiro e purificar o governo.
1. Libertar o sagrado
Entre as dores do último pontificado, poucas foram tão agudas quanto o cativeiro imposto à Missa Tridentina. A ferida aberta pela sua restrição ainda sangra nos corações dos fiéis — não por rebeldia, mas por amor. A Missa Antiga não precisa ser tolerada como uma peça de museu; precisa ser libertada como um prisioneiro injustamente condenado. E não apenas por justiça à tradição, mas por misericórdia com a própria Missa Nova, hoje tão extraviada nos desertos do experimentalismo litúrgico que já não sabe se é sacrifício ou espetáculo.
É irônico — como quase tudo na história da Igreja — que a única Missa que nunca foi abolida de fato tenha sido a mais perseguida de direito. A sua libertação será o primeiro passo não de uma cruzada estética, mas de uma restauração espiritual.
2. Anunciar o verdadeiro
Confundiu-se, nos últimos anos, evangelização com entretenimento. Sorrisos simpáticos, abraços coletivos, freiras dançantes e padres performáticos. Evangelizar hoje foi rebaixado a um exercício de cordialidade afetiva. A Boa Nova virou um bom dia e o Anúncio um abraço. Evangelizar já não é anunciar o Reino. É organizar retiros com músicas de flauta doce, distribuir pulseirinhas coloridas e repetir que “Deus te ama” com a mesma voz que se usa para consolar um gatinho ferido.
A ironia atinge seu cume quando os novos evangelistas — os mesmos que condenam com ardor qualquer forma de evangelização verdadeira como proselitismo — organizam simpósios inteiros para discutir como converter... sem converter. Eles dizem: “É preciso anunciar, mas sem impor; é necessário dialogar, mas sem convencer; é urgente evangelizar, mas sem usar palavras.”. E o novo evangelista, ao ver um pagão, não lhe pergunta se quer ser batizado, mas se gostaria de conversar sobre "experiências significativas". Ao que parece, o Espírito Santo se converteu ao estilo zen e agora trabalha com gestos interpretativos. E de repente se espera que o muçulmano, o ateu e o agnóstico descubram a divindade de Cristo pela temperatura do sorriso do padre. Mas o mundo não foi salvo por um gesto simbólico: foi salvo por uma pregação sangrenta.
Contra tudo isso, ressurge a figura do padre Federico Highton no Malawi.
Sem powerpoints, sem danças, sem comitê de acolhimento inter-religioso. Apenas o Evangelho, uma catequese de dez minutos e a pergunta mais subversiva da modernidade: “Queres ser batizado?” E diante do “sim”, os sacramentos. Nenhum formulário. Nenhum workshop. Nenhum cardeal dançante.
E, no entanto, São Pedro evangelizou assim. São Francisco Xavier evangelizou assim. E Cristo também.
3. Purificar o Governo
A Igreja sempre teve pecadores. Mas há um tipo de pecado que grita mais alto do que todos: a nomeação episcopal errada. Santo Afonso de Ligório — um moralista, não um influenciador — dizia que promover indignos ao episcopado e ao cardinalato é pecado mortal:
“É certo que de nenhum modo se eximem de pecado mortal os que promovem os menos dignos ao episcopado e ao cardinalato.” (Th. Moralis, Lib. III, a. II, q. 91)
E por quê? Porque os cargos eclesiásticos existem para o bem comum da Igreja, e não para as alianças políticas nem para a paz dos corruptos.
Mas a lógica recente foi a inversa: bons bispos e cardeais foram silenciados; os piores entre eles, promovidos com fanfarra.
O próximo Papa não reformará tudo — e nem precisa. Mas deve iniciar a correção. A paz confortável dos Tuchos, Martins, Roches e Hollerichs da vida precisa ser perturbada.
Purificar a hierarquia é salvar as almas. Pois uma Igreja sem santos no altar terá demônios no púlpito.
Conclusão
Em suma, a Igreja não precisa de novidades: precisa de veracidade. Uma liturgia que santifica, uma pregação que converte, uma hierarquia que governa com retidão. São essas as três colunas que o próximo pontificado deve restaurar — e restaurar com zelo apostólico, não com prudência mundana.
A morte de um Papa é, por definição, um evento de luto. Mas, para muitos católicos, especialmente os que ainda rezam em latim e acreditam em anjos com espadas flamejantes, a notícia da morte de Francisco foi recebida com um misto de sobriedade e esperança, como se após longos anos no deserto alguém tivesse finalmente encontrado um oásis… ou, ao menos, parado de caminhar em círculos. O conclave se aproxima. E se alguns esperam por continuidade, outros imploram por conversão. Não do Papa, mas dos cardeais.
Com ligeiro atraso — porque o tempo da eternidade não se mede em minutos — comentamos a maior notícia da semana: a morte do Papa Francisco. Sua partida, embora há muito aguardada pelos oráculos e pelos boletins médicos, foi súbita. O Vaticano informou que o pontífice sucumbiu a um acidente vascular cerebral, seguido de parada cardiorrespiratória. Não teve tempo de pronunciar suas últimas palavras, tampouco de receber os últimos sacramentos, ao contrário de São João Paulo II e do contemplativo Bento XVI, que expirou enquanto rezava, como nos contou seu secretário pessoal, Dom Georg Gänswein. Rezando — como quem sabe que está prestes a encontrar Aquele que é.
Não faremos aqui um elogio fúnebre. Nem um dossiê de erros. Já o dissemos antes — com a reverência de um servo ferido, mas não rebelde — que foi um tempo difícil para os católicos tradicionais. Mas como ensinou Nosso Senhor, “deixai os mortos sepultar os seus mortos”. O luto cristão não é um memorial de mágoas, mas uma esperança vestida de luto.
A este Papa, desejamos sinceramente a salvação de sua alma e oferecemos nossas orações em sufrágio. O juízo eterno já foi pronunciado — e foi feito por Aquele cujas balanças são mais exatas que os nossos artigos. E, diferente do Twitter, no Céu não há botão de editar.
O conclave se aproxima. Um conclave é sempre um mistério envolto em fumaça, mas hoje em dia também é um evento midiático com ares de eleição parlamentar. Homens com anéis, celulares e simpatias pelo Greenpeace decidirão quem sentará na cadeira do pescador. E o que está em jogo é mais do que a sucessão de um pontífice: é a continuidade — ou não — de um projeto de Igreja que parece ter sido escrito numa reunião de marketing da ONU.
O que nos preocupa, de fato, é o que virá. Sim, porque um Papa pode morrer, mas a barca de Pedro não naufraga — apenas muda de timoneiro. A eleição vindoura dirá se o espírito do pontificado de Francisco encontrará continuação ou se a Igreja, como quem desperta de um longo torpor, respirará novamente com os pulmões da Tradição. Esperamos, com humildade e firmeza, que respire.
Não é segredo para ninguém que, sob Francisco, o catolicismo progressista recebeu não apenas abrigo, mas alforria. Bispos conservadores foram depostos, comunidades tridentinas desfeitas, e as teologias da libertação e da inversão sexual tiveram projeção inédita — tudo sob a justificativa de uma Igreja que "não se fecha em si mesma", como se a verdade precisasse de arejamento, e as doutrinas eternas passaram a conviver com “desenvolvimentos pastorais” que lembram mais liquidação de fim de estoque do que teologia.
Mas a realidade, essa senhora impiedosa, é que 80% dos cardeais eleitores foram escolhidos por Francisco. Ou seja: o conclave está para o pontificado como a sobremesa está para o jantar — geralmente repete o sabor do prato principal.
Eis os favoritos da casa:
1. Pietro Parolin, organizador nato e inimigo declarado da Missa Tridentina — um Francisco com Excel.
3. Matteo Zuppi, autor de prefácio para livro de teologia LGBT. Um cardeal que fala muito em pontes, mas não parece saber onde termina a margem do Evangelho.
4. Jean-Marc Aveline, acredita tanto no ecumenismo que talvez seja capaz de canonizar Lutero, Ghandi e Pikachu.
5. Péter Erdo, canonista húngaro, meio conservador, meio neutro — ou seja, um meio termo que pode pender.
6. Robert Sarah, o último dos moicanos. Tradicional, santo, litúrgico — mas, talvez, santo demais para ser eleito.
Se os de primeira linha tropeçarem, a segunda linha pode surpreender. A esperança, essa danada de virtude teologal, espreita candidatos mais palatáveis. É provável que emergam os nomes da retaguarda — que, em matéria de fé, muitas vezes são os verdadeiros guardiões da frente:
1. Pierbattista Pizzabala,patriarca latino de Jerusalém — nomeado por Taylor Marshall, o que já é uma curiosidade.
2. Malcolm Ranjith, do Sri Lanka, tradicional e corajoso — proibiu acólitas. Não teme as meninas, o que é raro hoje em dia.
3. Gerhard Müller,ex-prefeito da CDF, teólogo nato. O problema é que tem amigos demais entre os liberais — e isso costuma ser contagioso.
4. Raymond Leo Burke, leão da Tradição. Mas o leão ruge isolado — e o conclave prefere os pastores mudos.
5. William Eijk. Holandês, conservador e crítico da exortação Amoris Laetitia. Não sabemos se é um defensor da Missa Tradicional, mas é um nome para se guardar no bolso.
6. Orani Tempesta. brasileiro, monge, e amante da Missa Tradicional. Colocado aqui não por força diplomática, mas por profecia — o que não se deve ignorar levianamente.
Este blog não finge: quer um Papa tradicional. Que ame a Missa Antiga, tema o Inferno e ignore as estatísticas do Pew Research. Um homem com espinha dorsal, joelhos no chão e o Catecismo no coração. Um camponês da eternidade.
E por isso, nossa torcida é clara:
1. Sarah;
2. Burke;
3. Ranjith;
4. Müller.
Se vier um milagre, agradeceremos. Se não, nos resta a paciência dos mártires e a ironia dos profetas.
Contudo, em que pese as nossas preferências, é preciso lembrar que o colégio cardinalício, desde sua formalização no século XII, raramente produziu santos. As escolhas, não raro, privilegiaram a administração em detrimento da santidade, como se o Reino de Deus dependesse de planilhas.
Hoje, os cardeais parecem mais preocupados com:
1. Administração (o Vaticano está falido, não se esqueça);
2. Imagem pública (não se pode ter um Papa que seja cancelável no Twitter);
3. Unidade institucional (não a da fé — essa é secundária — mas a dos departamentos e fundações).
Esses critérios produzem Parolins, Zuppis e Avelines. Mas talvez — talvez! — Deus nos surpreenda, como fez tantas vezes ao longo da história. Talvez surja um moderado conservador, um Erdo, um Pizzaballa, um Eijk. Talvez, o Espírito Santo, cansado de ser citado como desculpa para ambiguidades, queira ser obedecido.
O que esperamos é que o próximo pontífice seja inspirado pelo Espírito Santo e lembre, a despeito de todo seu passado progressista ou conservador, do primeiro dever da Cátedra Petrina, isto é, guardar o Depósito da Fé, como nos ensina o imortal Concílio Vaticano I:
"Pois o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro, não para que, por sua revelação, tornassem conhecida alguma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, guardassem religiosamente e expusesse fielmente a revelação ou depósito da fé transmitido pelos apóstolos." (Concílio Vaticano I, Sessão 4, Capítulo 4)
E guardar também as grandes tradições da Igreja, como exigia o antigo juramento papal:
"Manter a disciplina e o rito da Igreja, como os encontrei e como os descobri dados pelos meus santos predecessores, invioláveis." (Patrologia Latina, 105, 42C (Liber Diurnos Romanorum Pontificul, Lib. II, Titulum VII))
Conclusão
E o que nos resta?
Nos resta a fé. Não a fé nos homens de púrpura, mas naquele que escolheu fundar a Igreja sobre Pedro — um pescador impulsivo, e não um diplomata emérito. A Igreja sobreviveu a imperadores, a invasões bárbaras e até a certos papas. Sobreviverá também a este conclave. Ou não. Mas a Igreja é mais velha que qualquer coisa escrita contra ela, e mais jovem que qualquer moda que tente superá-la.
Se o próximo Papa for um santo, louvado seja Deus. Se for apenas um bom administrador, rezemos. Se for um desastre, então preparemos as catacumbas. Já estivemos lá antes. E, ao contrário do que dizem os teólogos da moda, os cristãos são mais perigosos quando estão nas sombras.
Que venha a fumaça — e que, por milagre ou misericórdia, seja branca.
Frei Gilson foi recentemente alvo de ataques de jornalistas de esquerda após afirmar em pregação que a mulher foi criada para ser auxiliar do homem. O jornalista Helder Maldonado fez o seguinte comentário na plataforma X:
A página católica de esquerda Katholicos Brasil também se manifestou, publicando um extenso comentário no qual chamou o frei de "fundamentalista":
Diversos católicos e figuras da direita brasileira reagiram aos ataques, destacando os números impressionantes do Frei Gilson, que reuniu 1,3 milhão de pessoas em seu Rosário da Madrugada às 4h da manhã no último dia 10 de março.
Diante desse cenário, abordaremos primeiramente a figura do Frei Gilson e, posteriormente, faremos uma análise do Rosário da Madrugada.
Sobre Frei Gilson
Frei Gilson é um sacerdote dos Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, tem 38 anos e notabilizou-se nos últimos anos pelo famoso Rosário da Madrugada. Segundo o religioso, a ideia surgiu de seu desejo de realizar uma penitência mais significativa para Deus. Ele escolheu rezar um rosário às 4h da manhã e, posteriormente, abriu essa prática para outras pessoas, especialmente aquelas que sofriam de insônia, para que rezassem junto com ele.
Em pouco tempo, Frei Gilson viu suas transmissões ao vivo atraírem centenas de milhares de pessoas, chegando ao auge de mais de 1 milhão de participantes. Seu estilo carismático é evidente, como demonstram suas missas, que incluem momentos de louvor antes do Ofertório e são acompanhadas por instrumentos musicais como piano, bateria, violão e guitarra.
Todas essas imposturas carismáticas na liturgia nós nos afastamos e já comentamos extensamente nos artigos "Sobre o Tradismatismo" e "O PHN é um avivamento católico?". É grave o dever dos sacerdotes carismáticos de corrigir essa postura. Esperamos que Frei Gilson faça isso no futuro.
Embora essas práticas carismáticas na liturgia sejam alvo de críticas e mereçam correção, é importante notar que Frei Gilson se destaca de outros padres carismáticos. Ao contrário de figuras como Pe. Marcelo Rossi ou Pe. Fábio de Melo, ele não busca celebridade ou fama pessoal. Quando convidado a participar de podcasts, seu foco é a pregação, e suas mensagens são ortodoxas e acessíveis ao público mais simples. Em muitos aspectos, ele pode ser comparado a um "Pe. Paulo Ricardo do povão", transmitindo humildade e sinceridade em suas intenções.
Os ataques da esquerda a Frei Gilson revelam um equívoco fundamental sobre sua postura. Ele não se posiciona como um sacerdote engajado em disputas políticas ou como um "padre bolsonarista". Embora a direita brasileira busque associá-lo a seus valores, ele próprio não adota uma postura partidária. Assim, as críticas que o rotulam como "fundamentalista", "machista" ou "bolsonarista" parecem infundadas e desproporcionais, considerando a popularidade e a reputação do religioso.
Admiramos Frei Gilson por sua dedicação e compreendemos que os ataques contra sua pessoa são injustos e exagerados. A preocupação da esquerda em relação a 2026 é compreensível, pois Frei Gilson representa um símbolo de uma crescente adesão popular a valores religiosos e conservadores.
Ponderemos agora sobre o Rosário da Madrugada.
Sobre o Rosário da Madrugada
O Rosário da Madrugada parece ter surgido de uma moção divina, dado o grande número de pessoas que se reúnem em um horário tão improvável para rezar. Levantar-se às 4h da manhã é uma prática penitencial que contrasta com a cultura popular brasileira, mais associada a festas e diversões noturnas. Ver milhões de brasileiros dispostos a esse sacrifício espiritual é um fenômeno significativo.
O brasileiro é conhecido por ficar até tarde da noite em festas, baladas, carnaval e fazer vigílias para comprar ingressos de show das figuras mais patéticas possíveis como, por exemplo, Madonna:
Portanto, o brasileiro se levantar 4h da manhã para rezar o terço parece ser um verdadeiro despertar para a vida espiritual. Finalmente, o brasileiro começa a olhar para o céu.
O Rosário da Madrugada também tem atraído católicos afastados, pessoas mundanas e até protestantes. O youtuber Marlon Arlanas destaca o grande número de protestantes que acompanham a oração.
Os comentários de protestantes que acompanham o rosário do frei são numerosos. Coletamos alguns:
Ficamos satisfeitos em ver protestantes rezando o terço, pois o rosário é considerado um instrumento poderoso contra as heresias, como explica Pe. Paulo Ricardo em sua homilia "Santo Rosário, arma contra a heresia":
"Eis por que o Rosário é uma arma poderosíssima: nele estão condensadas todas as verdades em que cremos, as quais são um antídoto contra os erros e desvios de ordem não só intelectual, mas ainda prática e moral. Pela repetição litânica do Pai-nosso, da Saudação angélica e da doxologia, o Rosário é uma verdadeira escola de teologia, pois nos alimenta a fé, sem a qual é impossível agradar a Deus (cf. Hb 11,6), e impede-nos de naufragar no cisma e na heresia."
Compreendemos que o sucesso do Rosário da Madrugada é, de fato, uma daquelas obras da Providência que realizam grandes prodígios em terras brasileiras. Não há nação que concentre tamanha fertilidade espiritual como o Brasil, nem país em que Deus, nos últimos tempos, pareça ter mais prazer em manifestar suas obras.
Contudo, não obstante os méritos e os frutos visíveis obtidos pelo Frei Gilson por meio dessa devoção, é necessário apontar algumas ressalvas importantes. Aqui, convém ao leitor, especialmente aquele mais entusiasmado pelo trabalho do Frei Gilson, exercitar a maturidade espiritual ao considerar tais ponderações. Não são poucos os que interpretam qualquer questionamento como "implicância", "problematização gratuita" ou mesmo como um "ataque" pessoal ao religioso.
Cumpre deixar claro que não é próprio do autêntico católico render culto de personalidade a quem quer que seja. Nomes veneráveis como o de Pe. Paulo Ricardo, Frei Gilson ou qualquer outra figura digna de estima devem ser avaliados com respeito, sim, mas também com objetividade e discernimento. A verdade não se curva diante do prestígio pessoal, nem o bem se sustenta apenas em números impressionantes.
Tal reflexão, longe de ser um ataque, busca apenas relembrar que a fé, em sua essência mais pura, não se alimenta de ídolos ou de fenômenos de massa, mas sim do amor sincero à Verdade e ao Bem supremo, aquele que é o fundamento de toda verdadeira devoção.
Atualmente, os indicadores quantitativos do Rosário da Madrugada são notáveis, mas ainda se aguarda a confirmação de frutos duradouros e de um legado bem estabelecido. Afinal, como nos recorda a sabedoria evangélica, é pelos frutos que se conhece a árvore.
Portanto, enquanto esperamos que o tempo revele a profundidade dessa obra, não nos eximamos de fazer as observações que se mostram pertinentes. A fé, para ser robusta, não teme o exame; e a verdade, para brilhar, não foge à luz da reflexão honesta.
Pois bem. Há, em essência, duas questões que devem ser ponderadas acerca do rosário da madrugada, e a cada fiel cabe examinar sua própria situação com prudência e discernimento:
1. Se o rosário da madrugada não interfere nos deveres de estado
Ainda que as primeiras horas da manhã sejam, por excelência, um tempo propício à oração, o mais desejável é que estas se realizem de maneira a não prejudicar as obrigações cotidianas.
As orações durante a madrugada, especialmente para o leigo sobrecarregado de responsabilidades, podem colidir com os deveres do estado de vida. Não por acaso, existe uma edição do Breviário destinada aos leigos que omite as horas de terça, sexta e nona, já pressupondo a limitação de tempo daqueles que vivem no mundo e não em um claustro.
Portanto, é imprescindível avaliar a conveniência de adotar essa prática devocional. Como ensina São Francisco de Sales em "Filotéia":
"A verdadeira devoção nada destrói; ao contrário, tudo aperfeiçoa. Por isso, caso uma devoção impeça os legítimos deveres da vocação, isso mesmo denota que não é uma devoção verdadeira." (Parte I, cap. 3)
Convém lembrar que Frei Gilson é um religioso, habituado a rezar o Breviário em momentos do dia que um leigo, em geral, não teria condições de dedicar à oração.
2. Se o rosário da madrugada favorece o progresso na oração
A principal finalidade da oração vocal, segundo os mestres da espiritualidade, é inflamar o coração no amor a Deus. Nesse sentido, não importa tanto a quantidade de orações e nem quão cedo se acorda para rezá-las, mas sim o fervor da caridade que elas despertam na alma. Como adverte Antonio Royo Marín em "Teologia da Perfeição Cristã":
"1ª Não é conveniente multiplicar as palavras na oração, mas insistir sobretudo no afeto interior. Adverte-nos expressamente o Senhor no Evangelho: «Quando orardes não faleis muito, como os gentios, que pensam serem escutados à força de palavras Não vos assemelheis a eles, pois vosso Pai conhece perfeitamente as coisas de que necessitais antes que as peçais» (Mt 6,7-8). Tenham-no em conta tantos devotos e devotas que passam o dia recitando orações inacabáveis, talvez com descuido de seus deveres mais urgentes.
2º Não se confunda a prolixidade nas formulas de oração, que deve cessar quando se tenha alcancado o afeto ou fervor interior, com a permanência na oração enquanto dure fervor. Este último é convenientissimo e deve prolongar-se todo o tempo que seja possivel, inclusive várias horas, se é compatível com os deveres do próprio estado (cf. 83,14 ad 1,2 et q.). O próprio Cristo nos deu exemplo de longa oração, passando nela, ás vezes, noites inteiras (Lc 6,12) e intensificando-a no meio de sua agonia no Getsemani (Lc 22,43), embora sem multiplicar as palavras, mas empregando sempre a mesma fórmula breve: «fiat voluntas tua».
3 Como o fim da oração vocal é excitar o afeto interior, não devemos vacilar um instante em abandonar as orações vocais, a não ser que sejam obrigatórias, para nos entregarmos ao fervor interior da vontade, quando este tenha brotado com força. Seria um erro muito grande querer continuar então a oração vocal, que já havia perdido toda sua razão de ser e poderia estorvar o fervor interior." (n. 495)
Um erro comum entre os devotos do rosário da madrugada é cair no que Adolphe Tanquerey, em seu "Compêndio de Teologia Ascética e Mística", chama de "fervor indiscreto dos principiantes". Trata-se de um zelo precipitado, em que a pessoa se lança a múltiplos esforços de perfeição sem ponderar se tais práticas realmente a santificam:
"A causa principal deste defeito é substituir a própria atividade à de Deus: em vez de refletir antes de operar, em vez de pedir e seguir as luzes do Espírito Santo, precipita-se o homem na ação com ardor febril; em vez de consultar o diretor, faz primeiro o que quer, e só depois é que lhe vai dar conta do fato consumado; donde um sem-número de imprudências, esforços perdidos sem conta: <<magni passus extra viam>>."
Muitos adotam o rosário da madrugada por simples imitação, movidos pela onda do momento, sem um exame criterioso. Contudo, essa prática traz consigo alguns inconvenientes que não podem ser ignorados.
a) O horário. Sendo de madrugada, é naturalmente um período incômodo para a maioria dos leigos, que necessitam de energia para cumprir seus deveres de estado ao longo do dia. O corpo humano, apesar de toda a sua complexidade, ainda não aprendeu a dispensar o repouso, e privar-se dele em nome de uma devoção pode ser mais imprudência que piedade.
b. O uso de telas. Para acompanhar o terço da madrugada, a pessoa precisa acessar plataformas como YouTube ou Instagram, territórios fecundos para a distração. A cada oração rezada, surgem também opções profanas para clicar, mensagens a verificar e conteúdos que atiçam a curiosidade. Ademais, as telas não apenas cansam os olhos, mas também vínculam o orante a consolações sensíveis e imediatas. Querendo ou não, abrir essas plataformas aciona os mecanismos de dopamina em muitos. Uma alternativa mais sóbria e superior às telas são os devocionários impressos, pois são menos lúdicos e dedicam-se exclusivamente à oração.
c. A extensão do tempo. Frei Gilson reza o rosário completo – os 15 mistérios – seguido de uma meditação e, por fim, celebra a missa. Somente o rosário consome cerca de duas horas; se o fiel acompanhar todo o programa, ultrapassará quatro horas. Ora, como já mencionado, as orações vocais, especialmente pela manhã, não devem ser excessivamente longas e extenuantes, mas o suficiente para acender o fervor interior, sem consumir as energias necessárias para o restante do dia.
d. A substituição da oração pessoal pela coletiva no horário mais precioso para a meditação. Embora a oração comunitária, sobretudo a litúrgica, seja objetivamente superior, a oração particular é mais eficaz para a santificação individual da alma. Como ensina o teólogo Antonio Royo Marín:
"Não esqueçamos que, em definitivo, é cada alma quem ora, porque mesmo a oração comum cada um deve apropriar-se e personalizar, e nem sempre as funções e fórmulas comuns correspondem às pré-disposições pessoais. É, naturalmente, o sujeito quem deve procurar acomodar-se ao espírito religioso da Igreja. Porém, é indubitável que muitas vezes o orante encontra na liberdade de sua comunicação pessoal com Deus, maior facilidade e maior fruto." (Teologia da Perfeição Cristã, n. 489)
Com efeito, a experiência espiritual indica que a oração individual produz frutos mais profundos para a alma na maioria dos casos. E, como sublinha o Pe. Lucas Altmeyer (IBP) no sermão "Os Católicos Barulhentos e a Presença de Deus":
"O melhor momento para a oração é a manhã, porque a agitação do dia ainda não dissipou o nosso espírito. É uma questão natural. Nós ainda não estamos mergulhados nas preocupações do dia. Estamos mais recolhidos, mais propícios ao recolhimento. Quem perde a oração da manhã tem grande chance de ser um fracassado na vida de oração durante o dia também."
Portanto, embora o rosário da madrugada possa ser praticado com boa intenção, é necessário ponderar se tal prática não está substituindo silenciosamente aquilo que é mais simples, mais silencioso e, paradoxalmente, mais profundo: a oração pessoal no segredo da manhã silenciosa, quando a alma, ainda não dispersa pelas inquietações diárias, pode fitar o Criador com um coração indiviso.
e. Os ruídos. O rosário do Frei Gilson, embora mais sóbrio que o habitual em círculos carismáticos, ainda preserva aquela "Voz Gigantesca" que, por mais que tentemos, nunca conseguimos silenciar completamente. Os discursos do Frei, o violão com suas melodias worship, são como ecos que reverberam em nossos corações. E, como não poderia deixar de ser, tudo isso é transmitido, sem filtros ou pausa, diretamente no Instagram ou no YouTube. Em outras palavras, a "guloseima espiritual" se mistura ao ruído constante, logo na primeira oração da manhã, como um banquete oferecido com pressa.
O Beato Frei Maria Eugênio do Menino Jesus, OCD, em sua obra "Quero ver a Deus", nos adverte que o progresso na oração demanda de nós "exigências muito particulares de silêncio e solidão". Ele nos recorda que, para ouvir a verdadeira voz de Deus, devemos primeiro aprender a silenciar o mundo ao nosso redor — uma arte cada vez mais difícil em tempos de excessos. A reflexão é clara: como pode a alma alcançar Deus, se não é capaz de ouvir a própria voz na quietude?:
"Toda a tarefa que exige aplicação séria das nossas faculdades supõe o recolhimento e o silêncio que a tornam possível. O estudioso tem necessidade de silêncio para pre-parar suas experiências, para anotar-lhe com cuidado as condições e os resultados. O filósofo recolhe-se na solidão para ordenar e penetrar seus pensamentos.
Este silêncio, que o pensador procura avidamente para dar à reflexão todas as suas energias intelectuais, será ainda mais necessário à pessoa espiritual para aplicar toda a sua alma na busca do seu objeto divino.
No sermão da montanha, Jesus nos fala da necessidade da solidão para a oração:
Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua por-ta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.
A oração contemplativa própria das regiões a que chegamos tem exigências muito particulares de silêncio e solidão. A Sabedoria divina, na contemplação, não esclarece apenas a inteligência; ela atua sobre a alma toda inteira. Por isso, exige desta última uma orientação do ser, um recolhimento e uma pacificação daquilo que há de mais profundo nela, a fim de receber a ação de seus raios transformadores." (p. 492-493)
O Pe. Lucas Altmeyer no mesmo sermão que citamos também diz:
"Não é possível conciliar o barulho com a vida espiritual. Música barulhenta, missa barulhenta, oração barulhenta, grupo de oração barulhento, instrumentos barulhentos e até padre barulhento são um fracasso na nossa vida espiritual. Missa barulhenta é um fracasso na nossa vida de oração. Grupo de oração barulhento é um grupo fajuto de oração.
Você pode se sentir bem, você pode gostar sensivelmente de estar ali, mas não significa que você está rezando, ainda que sensivelmente você esteja contente.
A oração verdadeira tem como essência a consciência da presença de Deus e esta presença é silenciosa. Só o silêncio e o recolhimento podem nos dar a verdadeira presença de Deus.
Vocês conhecem a história do Profeta Elias que lemos na Sagrada Escritura. Deus mandou [Elias] subir ao Monte e disse que Ele mesmo passaria diante de Elias. [...] Deus se encontrava na brisa suave. Por isso um católico barulhento jamais encontrará Deus de verdade e muito menos poderá viver na presença do Senhor."
Todos esses inconvenientes deveriam incitar, antes de mais nada, uma reflexão desapaixonada e objetiva: seria o rosário da madrugada, afinal, um instrumento verdadeiramente útil para o progresso na oração, ou apenas uma distração revestida de fervor? Aquele que possui uma grande família — algo raro entre os carismáticos, sem dúvida — deve ponderar: será que vale a pena sacrificar tantas horas da madrugada para rezar o rosário diante das telas, ou seria mais proveitoso unir-se à sua família e rezá-lo em um horário mais apropriado, no calor da convivência familiar?
Para aquele que se encontra excessivamente preso às consolações sensíveis, a questão se impõe com a mesma urgência: vale a pena ceder à tentação de ligar o computador ou o celular nas primeiras horas da madrugada, abrindo as portas do Instagram ou do YouTube, quando o verdadeiro desafio seria, ao contrário, cultivar o desapego? E, por último, para o que deseja superar as dificuldades da oração — distrações, desânimo, secura da alma, e o apego constante às consolações — deve refletir se, na realidade, entregar-se à oração coletiva é a solução definitiva, ou se o mais sábio seria enfrentar, com coragem e sem subterfúgios, as adversidades espirituais em solitário combate.
É evidente, portanto, que não há justificativa alguma para seguir modismos ou ceder à curiosidade vazia. A vida espiritual, de uma seriedade incomensurável, não pode ser arriscada em aventuras impensadas. Aquele que a cultiva deve ser maduro e, acima de tudo, aplicar, com sabedoria, apenas aquilo que, de fato, o une verdadeiramente a Deus.
Mesmo durante a Quaresma, as penitências precisam ser escolhidas com cuidado. Nenhuma alma deve se entregar ao rosário da madrugada "porque sim". Cada penitência deve ser revestida de um propósito claro e específico. Nesse sentido, não podemos deixar de recomendar com veemência o Sermão do Pe. Ivan Chudzik (IBP), intitulado "O que a Quaresma não é: três ilusões sobre a penitência", para que, ao buscarmos a renovação espiritual, saibamos verdadeiramente o que devemos evitar.
Compreendemos que o Rosário da Madrugada é uma devoção inicial, que serve como um suave convite aos católicos de IBGE ou àqueles que, distantes da Igreja, buscam uma reaproximação com o Sagrado. Semelhante a muitas iniciativas da Renovação Carismática, esta prática tem o poder de reacender a chama da fé em corações resfriados. Contudo, é preciso refletir que o católico que, ao longo dos anos, tem se empenhado na vida de oração, e que já percorreu um longo caminho de fé, dificilmente se verá despertando ao romper da madrugada para acionar as telas de um computador ou celular, buscando rezar por meio do YouTube ou Instagram — salvo em casos muito pontuais. Ao contrário, esse fiel cultivará sua oração em um espaço mais íntimo e silencioso, onde o recolhimento e a solidão se tornam o solo fecundo para o diálogo com Deus. Ele reservará a oração coletiva para momentos específicos, como o terço em família ou a novena na igreja.
Feita estas ressalvas, desejamos que o Rosário da Madrugada, como um portal sagrado para muitos, seja luz e guia na conversão dos corações e no despertar das almas para a superação da acídia espiritual. Que aqueles que, porventura, cruzarem o limiar desta porta de fé possam florescer em toda a sua plenitude, jamais se afastando da graça divina, e assim, alcançar a devoção que jamais se apaga – o rosário permanente, a vida eterna.
Mal publicamos o artigo "Acabando com o Carnaval do "O Catequista"" e a página não satisfeita já inventou mais uma lorota para justificar sua paixão irracional pelo carnaval. Desta vez, a lorota é: Dom Bosco pulou o carnaval com seus meninos do Oratório.
Viviane em nova publicação no Instagram utiliza a biografia "A Vida de Dom Bosco" escrita pelo Pe. Giovanni Battista Lemoyne, para defender que Dom Bosco caiu na folia.
Diz Viviane que Dom Bosco queria ensinar os meninos do Oratório a "como viver o carnaval", a despeito das imoralidades da festa. Contudo, essa argumentação do O Catequista simplesmente não bate com a postura de Dom Bosco e dos padres que o ajudavam até então. Ora, se essa era a lição que Dom Bosco queria ensinar, por que ele não a deu nos carnavais anteriores? A resposta é muito simples: Dom Bosco não estava procurando ensinar como viver bem uma festa mundana. Durante o carnaval, Dom Bosco fazia programações dentro do Oratório, o que é totalmente lícito segundo explicamos no nosso artigo anterior. E a única vez que ele foi a um carnaval público não foi pelas razões ditas pelo O Catequista.
O próprio vídeo de Viviane explica o contexto da motivação de Dom Bosco:
"Naquele ano a Prefeitura de Turim havia autorizado que as instituições de caridade montassem uma barraca na Piazza Castello pra vender nos últimos dias de carnaval o que achassem melhor pro benefício dos pobres atendidos por suas obras."
A intenção de Dom Bosco em ir ao carnaval de Turim era apenas uma: angariar fundos para o Oratório por meio de uma barraca de vendas. Ou seja, Dom Bosco queria ir ao carnaval para trabalhar para o sustento do Oratório, não simplesmente para divertir-se.
A própria biografia utilizada por Viviane narra que Dom Bosco, antes de se entregar à Providência, buscava por todos os meios angariar recursos para o Oratório, sendo até mesmo engenhoso ao fazer isso. Uma de suas engenhosidades foi trabalhar no carnaval, como afirma o Pe. Lemoye:
"Dom Bosco sentiu-se obrigado a tentar esgotar todos os meios humanos, antes de se abandonar cegamente nos braços da Divina Providência. Por isso ele sempre pedia, de mil maneiras, usando as maneiras mais variadas, mais prudentes, mais engenhosas. Circulares, loterias, barracas de doações, e uma centena de outros meios foram usados quando as necessidades eram sérias, e os recursos diários ordinários eram insuficientes.
Durante o carnaval de 1869 ele teve uma ideia singular. Naquela época, o carnaval de Turim era o mais digno, tranquilo e agradável de toda a Itália; basta dizer que uma comissão especial, com plenos poderes e a polícia sob seu comando, zelava pela ordem, pela moral e pelo respeito a todas as classes de pessoas. Pois bem, ele obteve autorização da prefeitura para montar uma barraca de vendas na Piazza Castello, junto com outras instituições de caridade, para seu próprio benefício durante os últimos dias do Carnaval." (A Vida de Dom Bosco, vol. 2)
Ou seja, Dom Bosco tinha uma razão justa e proporcional para ir ao Carnaval. Ele foi por necessidade, não por opção. Como narra a própria biografia, o santo sentia-se obrigado a esgotar todos os meios possíveis para sustentar o Oratório.
Se aplicarmos os princípios expostos no artigo "O Catequista e a Opção Preferencial pelo Laxismo" sobre as espécies de cooperação com o mal, veremos que eventual cooperação de Dom Bosco neste caso seria remota e não necessária, sendo absolutamente escusável ele buscar o sustento do Oratório montando a barraca de vendas na festividade.
Todavia, desonestamente, o O Catequista omite todo esse contexto. Viviane chega a afirmar que Dom Bosco buscava "maneiras de ir ao Carnaval", como se quisesse arranjar desculpas para os seus meninos irem à festividade, quando claramente essa não era a verdade.
Omitindo informações importantes dessa maneira o O Catequista faz um verdadeiro anti-apostolado para os católicos, pois o exerce unicamente para anestesiar as consciências em prol de sua opção preferencial pelo laxismo.
Ademais, neste caso, a escolha de Dom Bosco como elemento de defesa do Carnaval parece ter sido bem calculada pelo O Catequista. Neste ano, o Centro Dom Bosco fez críticas públicas ao O Catequista por defender o Carnaval e agora a página buscou de alguma forma responder as censuras usando o patrono do CDB. Tenha sido esta a intenção ou não, o tiro saiu pela culatra. Dom Bosco não foi ao carnaval pelas razões que o O Catequista quis sugerir.