sábado, 3 de maio de 2025

Do Papa dos Superlativos à Pedra que Tropeçou: Uma breve análise do legado do Papa Francisco.


Com a morte do Papa Francisco, desapareceu da cena da história um dos pontífices mais comentados do último século — e, talvez, o único capaz de despertar ao mesmo tempo aplausos de protestantes liberais, suspiros de ambientalistas suecos e prudente silêncio de católicos que ainda acreditam no Catecismo. Mas o que se tornou mais evidente com sua partida foi um curioso fenômeno que floresceu em sua sombra: o culto à personalidade.

É um paradoxo digno de Chesterton: um Papa que dizia combater os personalismos se tornou o ídolo de um novo tipo de culto — o culto à figura do homem que destrói os cultos. Seus admiradores, em meio a lágrimas sinceras e hashtags performáticas, atribuem-lhe títulos que fariam corar os santos e estremecer os doutores: “O melhor Papa da modernidade”, dizem uns. “O maior dos últimos 500 anos”, garantem outros. E quem os proclama? Profetas de Nárnia, como Mike Lewis, ou paladinos do catolicismo líquido como Carlos Ramalhete. Nos portais progressistas, como o Where Peter Is, a impressão não é de que “onde está Pedro, está a Igreja”, mas sim de que “onde está Francisco, ali começa o Evangelho”.

No entanto, ao examinarmos serenamente seu legado — com o mesmo olhar que um camponês lança ao campo depois de uma tempestade —, não encontramos a solidez de uma grande colheita, mas sim a umidade de muitas palavras. O que se vê é mais bruma do que edifício, mais movimento do que direção. Passemos, pois, ao exame.

1. Uma Pastoral de Desconstrução

O Papa Francisco parecia entender a pastoral como um instrumento mais elástico do que sólido. Sua preocupação, ao que tudo indica, não residia tanto na reverência aos sacramentos quanto na utilidade que deles se podia extrair para os dramas contemporâneos. Por exemplo, ele validou as confissões dos padres da Fraternidade São Pio X — um gesto que, embora carregado de aparente misericórdia, gera algumas questões teológicas do tipo que fazem seminaristas suarem frio. Se a Fraternidade está em cisma, como muitos de seus defensores sugerem, então suas confissões não deveriam ter validade. E se as confissões foram validadas, talvez o cisma não seja tão cismático assim — ou então a teologia moral virou uma espécie de origami espiritual.

Outro caso emblemático é o da Sra. Nancy Pelosi. A congressista norte-americana, devota do aborto como se fosse um sacramental moderno, foi proibida de comungar por seu arcebispo, Dom Cordileone. Mas o Papa, em vez de reforçar a sanção, criticou-a como “uso político” da Eucaristia — e recebeu Pelosi de braços abertos no Vaticano. E assim, em nome de evitar o uso político dos sacramentos, usou-se politicamente o sacramento.

Aqui, algo se inverteu: a consciência subjetiva foi posta como rainha, e a norma objetiva, como criada silenciosa. A moral foi dobrada à psicologia, e a Tradição, submetida a um novo Magistério — o da compaixão ambígua. Esta tornou-se um critério autônomo, e a coerência, um incômodo.

2. Documentos como Enigmas

O pontificado foi fértil em documentos — alguns doces como colinas de Assis, outros densos como os desertos de Qumran. Há quem os leia com entusiasmo, e há quem precise de exorcista e gramático. Os textos que mais marcaram este tempo não foram os que confirmaram a fé, mas os que exigiram novas comissões para explicar o que, segundo os Apóstolos, deveria ser claro como a luz da manhã.

Traditionis Custodes tratou a Missa dos séculos como se fosse um desvio disciplinar. Amoris Laetitia insinuou que há pecados com os quais Deus decidiu conviver. Fiducia Supplicans ofereceu bênçãos que não abençoam, para uniões que não se santificam. O Catecismo foi mudado para condenar o que antes era permitido, como a pena de morte. E a declaração de Abu Dhabi sugeriu que todas as religiões são dons de Deus — o que é, ao mesmo tempo, confortador e aterrador, pois significa que a Cruz de Cristo teria sido um mero gesto estético.

Havia ali uma nova linguagem. Não herética de forma, mas enigmática de substância. Uma linguagem que parecia saída de parábolas pós-modernas, onde ninguém é condenado, ninguém se converte, e ninguém mais sabe o que é pecado — mas todos são acolhidos, inclusive os erros.

3. Governo eclesial ou partido sinodal?

Francisco se notabilizou por promover maus amigos e afastar bons adversários. Nomeou bispos e cardeais de inclinação progressista com uma constância quase matemática. Um de seus últimos gestos foi promover Robert McElroy, conhecido por defender ideias bastante criativas sobre a ordenação feminina, ao arcebispado de Washington. Entre tantos nomes possíveis, escolheu exatamente aquele que faria a tradição suspirar — não de alegria, mas de susto.

Por outro lado, tratou com rigorosidade bispos ligados à liturgia tradicional ou a doutrinas “demasiado claras”. Fez do Instituto João Paulo II um campo de reeducação pastoral. Quando o aborto estava prestes a ser aprovado na Argentina, sua pátria natal, sua reação foi tão discreta quanto um suspiro num show de rock.

4. Sínodos Sem Fim e Fins Sem Sínodo

O pontificado foi marcado por reuniões — muitas, longas e ruidosas. Mas reuniões são o substituto moderno da ação. O Sínodo da Amazônia terminou em Pachamama. O da Sinodalidade, que ainda se desenrola, segue em curso como um rio que se recusa a encontrar o mar. Foi tão inovador que acolheu votos leigos — porque, afinal, ninguém melhor do que um sociólogo de ONG para orientar a Igreja Universal.

5. A Herança: Uma Igreja Polarizada

O fruto visível de tudo isso é a polarização. A Igreja, outrora dividida entre fiéis e pecadores, entre judeus e gentios, entre monges e bárbaros, agora se divide entre “francisquistas” e “tradicionalistas”. E o próximo Papa, seja ele um novo Leão, um novo Gregório ou apenas um novo João, já nascerá cercado por expectativas e rejeições. Não será recebido como pai universal, mas como herdeiro de uma guerra civil.

O Pe. Allan Victor Marandola exprimiu bem: o novo Papa será julgado antes mesmo de falar. E talvez este seja o maior legado de Francisco — não a misericórdia, mas a tensão. Não a inclusão, mas a ruptura. Um Papa que desejou ser ponte, mas foi, inadvertidamente, um divisor de águas.

Conclusão

O tempo do Papa Francisco passou — como todos passam. Seus gestos serão pesados. Seus escritos, debatidos. Suas decisões, revisadas. Mas a Igreja continuará, porque ela não repousa no carisma de um homem, mas no corpo místico de um Deus humanado.

Roguemos, pois, para que o próximo pontífice governe não com astúcia política, mas com sabedoria de profeta; que una os filhos dispersos, não por manobras sinodais, mas pela verdade que liberta.

"Santifica-os na verdade: a tua palavra é a verdade." (Jo 17,17)

Porque a Igreja, afinal, não foi feita para agradar os tempos. Foi feita para salvá-los.


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