quinta-feira, 12 de junho de 2025

O Direito de Criticar e o Dever de Amar (Porque na Igreja é preciso morder com reverência)

Fundadores da FSSP com São João Paulo II

Ainda sobre a publicação pelo Centro Dom Bosco do livro "Erros do Catecismo Moderno" de Michael Haynes.

A análise serena das relações entre a Santa Sé e os institutos tradicionalistas revela um dado pouco considerado, mas de grande relevância teológica e pastoral: nos acordos firmados com os institutos provenientes da antiga Comissão Ecclesia Dei, jamais se exigiu, como condição prévia de reconciliação, a retratação das críticas feitas ao Concílio Vaticano II por parte dos sacerdotes aderentes.

Pelo contrário, tais acordos reconhecem que, diante de certos pontos doutrinários e disciplinares do Concílio ou das reformas eclesiásticas subsequentes, que pareçam difíceis de conciliar com a Tradição — entendida aqui como a transmissão viva e orgânica da fé apostólica —, os institutos possam adotar uma postura de estudo respeitoso (FSSPX, 1988) ou até de crítica (IBP, Ato de Adesão), desde que se evitem manifestações de polêmica desnecessária.
A Instrução Donum Veritatis, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1990, esclarece este ponto de forma inequívoca. Como demonstrou com acuidade o professor Edward Feser, a crítica teológica — quando realizada dentro dos limites da fé, da caridade e da fidelidade ao Magistério — não se identifica com a dissidência. Ademais, como, por sua vez, apontou o Dr. William May, a crítica assume maior legitimidade quando se volta à luz da Tradição para examinar declarações magisteriais recentes que, à primeira vista, pareçam em dissonância com os ensinamentos anteriores do mesmo Magistério.
Ora, confrontar o Magistério recente com o anterior é justamente a essência da crítica tradicionalista. E talvez por isso mesmo ela seja mais suportada — não por condescendência, mas por coerência — do que a crítica protestante, que não se ergue sobre o fundamento de Pedro, mas sobre o vácuo do livre exame absoluto.
Nesse sentido, o "Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae" é um exemplo luminoso de crítica severa, porém inteiramente tolerada dentro dos limites indicados pela própria Igreja. E outros livros, publicados por padres oriundos dos institutos ex-Ecclesia Dei, seguem a mesma toada: crítica reverente, ainda que firme, como um monge que repreende um imperador.
Cumpre ainda afastar um equívoco frequentemente repetido: a Donum Veritatis não exige que a crítica teológica seja exercida exclusivamente em foro privado, como se o fiel ou o teólogo devesse submeter suas dúvidas apenas ao bispo diocesano, em caráter confidencial, como fazem crer certas opiniões piedosas, mas insensatas. O que a Instrução reprova, com inteira justiça, é a instrumentalização da crítica por meio da mídia de massa, utilizada como instrumento de pressão ou agitação, o que não raro redunda em escândalo ou confusão para os fiéis. A crítica pode ser pública — sobretudo em obras teológicas ou acadêmicas —, mas deve ser sempre sóbria, reverente e construtiva.
Dessa forma, é plenamente possível publicar um livro crítico ao Catecismo promulgado em 1992, contanto que tal obra se paute pelo respeito devido ao Magistério da Igreja e se inspire em espírito de serviço à verdade revelada.
É precisamente neste ponto que se manifesta uma falha recorrente em certos meios tradicionalistas: a tentação da linguagem injuriosa, que em nada contribui para a edificação da fé. O título original da obra de Michael Haynes — A Catechism of Errors — é, sob qualquer critério eclesial, irreverente e desproporcionado. Nada impedia que o autor adotasse um título mais sóbrio e científico, como "Exame Crítico do Catecismo de 1992", que teria exposto sua tese com a dignidade que o tema exige. O Centro Dom Bosco, ao traduzi-lo como "Os Erros do Catecismo Moderno", buscou conferir maior moderação à proposta, mas o esforço acabou neutralizado pela estratégia publicitária da obra, que reforçou o tom polêmico e acentuou o desconforto.
Tais equívocos de forma, embora não alterem substancialmente o conteúdo da crítica, prejudicam sua recepção entre os fiéis, pois o público, que não é teólogo, reage não ao conteúdo do livro, mas ao tom da voz. O resultado é que se deixa de ouvir um argumento e se passa a denunciar um “ataque à Igreja” — e às vezes, com razão. Ao invés de suscitar o debate sereno e o exame objetivo, esses equívocos alimentam suspeitas e reações defensivas. E assim se compreende que muitas críticas feitas à obra não digam respeito à substância do argumento, mas à sua apresentação imprudente.
Mas, antes de tudo isso — antes do barulho, antes da polêmica, antes do escândalo — há uma virtude primária, que já foi chamada de justiça, e que hoje é confundida com curiosidade: ler o livro antes de criticá-lo.
Pode parecer pouco. Mas é o primeiro passo para qualquer católico que deseje defender a verdade com aquela virtude de que tanto falamos e tão pouco praticamos: a caridade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todo Católico é Tradicional? Só os que Tocaram a Tradição. Por que é Justo Ser Chamado Católico Tradicional.

Padres do Instituto Bom Pastor Os debates recentes em torno do Centro Dom Bosco, conquanto tenham lançado muitos à febre da intemperança, tê...