Um dos temas que tratamos de forma abrangente neste blog é o do incisivo combate que fazem os católicos neoconservadores ao Catolicismo Tradicional. Retratamos que esse fenômeno começou durante o período pós-pandemia, onde cresceu o que denominamos de "opusdeísmo cultural". Identificamos que uma das principais características dessa nova onda é a oposição à onda católica anterior, que perdurou durante durante os anos 2010-2019 e e que se identificava com o Catolicismo Tradicional.
Tem sido comum, não tanto entre homens, mas, principalmente, entre mulheres, a oposição ferrenha ao catolicismo tradicional. São moças que até participaram de comunidades tradicionais, mas que agora se sentem "libertadas" e possuem profunda ojeriza do catolicismo que outrora viveram. Muitas delas, hoje, senão 100%, apresentam comportamentos típicos do nomeado "feminismo católico".
Neste contexto, recentemente, a colunista Jules Freitag publicou uma sequência de stories sobre o seu novo olhar sobre o pontificado do Papa Francisco após anos de catolicismo tradicional, que chamou de verdadeiro "purgatório".
Jules, na sequência, faz uma sequência de comentários contra "os influencers":
Pois bem, o primeiro ponto que se deve observar é esse novo olhar sobre o pontificado do Papa Francisco. Não há problema em gostar do pontificado ou de algum aspecto dele, mas ele deve ser amado pelos motivos certos. Em regra, essas moças não amam o Papa Francisco pela ortodoxia ou por respeito ao clero ou algo parecido, mas pelo quanto o Papa não parece tradicional. Ou seja, os critérios adotados não são objetivos, mas regem-se segundo a ideia de que "o inimigo do meu inimigo é meu amigo" ou ainda "pelo quão laxista eu acho que ele é".
O segundo ponto é que Jules aplica automaticamente as críticas aos "influencers" ao mundo tradicional quando, na verdade, são pouquíssimos os influencers que se consideram tradicionalistas. Via de regra, tradicionalistas não ligam para o Instagram. A maioria dos influenciadores católicos flutua numa amálgaga de marsilistas, olavetes, carismáticos, opusdeístas e cnbbistas. Jules vê "radtrad" onde não tem, porque o ódio ao tradicionalismo já se tornou nela algo profundamente passional. Por isso enxerga "assombrações" de tradicionalismo em todo lugar.
O terceiro ponto é que, embora Jules fale que devemos anunciar a sabedoria da Igreja e respeitar o clero, ela mesma (i) faz deboche das devoções da Igreja, (ii) critica duramente sacertotes e (iii) não acata a sabedoria da Igreja em diversos temas.
Para ilustrar o ponto anterior, rememoremos que Jules, em outubro deste ano, fez uma sequência de stories atacando um "padre tradicionalista" que lhe pediu que retirasse um quadro no qual ela vestia uma camisa da banda Iron Maiden. Jules não foi polida nas palavras ao criticar o sacerdote:
"Na década de 50, a Europa era amplamente cristã; as pessoas iam muito à igreja e, geralmente, acreditavam em coisas como o mal absoluto e na existência de um bem absoluto. Mas, ninguém conhecia alguém que fosse absolutamente bom. E, com certeza o mal absoluto existia em algum lugar, porque senão como alguém poderia ser absolutamente bom? [...] O que as bandas de heavy metal fizeram ao adotar imagens satânicas foi chocar as pessoas."
Note-se como a finalidade artística de Iron Maiden era afrontar a fé cristã e causar o escândalo, o que é pecado gravíssimo como veremos a seguir.
Já Motörhead é uma banda britânica fundada em 1975 e que segue o mesmo padrão afrontoso de Iron Maiden.
Os problemas já começam pelo nome da banda. Motörhead é numa gíria britânica se referir aos viciados em anfetamina. O vocalista da banda Lemmy Kilmister escolheu esse nome porque era viciado na droga. Ou seja, o nome da banda é uma homenagem ao vício nas drogas.
Ademais, a banda, seguindo o exemplo de Iron Maiden, também faz referências satânicas e sexuais em seus álbuns e canções, como se observa na capa do álbum "Sacrifice", em que se ilustra pessoas indo para o inferno e o mascote da banda, Snaggletooth, com uma língua num formato fálico e a garganta em forma de vagina.
O criador dessa capa foi Joe Petagno, um conhecido designer no mundo do rock, que foi responsável pela criação de capas para bandas como Led Zeppelin, Nazareth, Sodom, entre outras. Joe, por ocasião do 30º aniversário do álbum Inferno (Motörhead), em entrevista, confessou que o uso dessas imagens se justificava pelo fato dele ser antirreligioso:
"Eles fizeram tudo o que podiam para se livrar desses órgãos genitais [a língua]. É incrível como os órgãos genitais podem irritar as pessoas. Essa é uma piadinha minha e do Lemmy. Nós gostamos de órgãos genitais e Another Perfect Day tinha o pau duplo de cachorro sobre o qual brincamos. [A capa é] as hordas sendo enviadas para o inferno, onde elas merecem estar. E as batalhas sem fim, o ódio, a guerra, a ignorância. Mais uma vez. As pessoas acham que sou antirreligioso, e eu sou. As pessoas acham que sou antiestado, e eu sou. As pessoas acham que sou antiguerra, eu sou. Sou antiqualquer coisa que atrapalhe um indivíduo se tornar inteiro. Minhas opiniões não são sobre tentar provocar as pessoas a se matarem. Estou tentando curar a fenda entre o homem e o espírito. Sou um alarmista. Estou tentando assustar as pessoas de volta para a estrada [da justiça e da liberdade]."
Motörhead, nesse contexto de endosso ao satanismo e à imoralidade sexual, lançou as músicas "Sympathy for the Devil" (Simpatia pelo Demônio), "Devils" (Demônios), "Born to Raise Hell" (Nascido para Comandar o Inferno), "I Seen Satan Coming Honey in a Big Black Cadillac" (Eu vi Satã, querida, vindo num grande Cadillac preto) e o álbum "Inferno", em 2004.
A banda promove o satanismo não porque acredite no demônio, mas porque despreza os cristãos como fica patente na canção "Bad religion". Na música, o eu lírico é ateu que tenta demonstrar sua superioridade em relação aos cristãos:
"Má religião, má religião
Eu não preciso de deuses ou demônios, eu não preciso de nenhum direitos pagãos
Má religião, má religião
Eu não preciso de nenhuma cruz em chamas para iluminar minhas noites
Nazistas evangélicos, vocês não me assustam
O nome que vocês usam em vão irá julgá-los pela eternidade
Eu cuspi no olho de satanás, cuspi bem no seu olho também
Vocês são os fantasmas que estão perseguindo, vocês não sabem o que fazem"
Aqui também funciona a lógica do "o inimigo do meu inimigo é meu amigo". Se o Diabo é inimigo dos cristãos, então Motörhead é amiga do Diabo.
Motörhead também promove a imoralidade sexual, como se observa na música "Sex and Outrage" (Sexo e Ultraje):
"Eu acho que você sabe
Exatamente onde quero chegar
A maneira que você se conduz
Deve ser contra a lei
Está nas suas mãos
Adolescente, por trás dos bastidores, sexo e ultraje."
A respeito de se ler ou ouvir tais músicas, a Teologia Moral católica ensina que nenhum católico pode fazê-lo enquanto hábito sem recair em pecado mortal.
Nesse sentido, Antonio Royo Marín:
"Em geral se consideram maus ou escandalosos os livros, os romances, revistas ou periódicos contrários à fé ou aos bons costumes. Sua composição, edição, venda, compra, leitura ou mera retenção estão ou podem estar proibidos por direito natural por causa do perigo próximo de pecar, do escândalo e da cooperação.
(...)
Os escritos contra a fé ou contra os bons costumes - ainda que não se trate dos proibidos expressamente pela Igreja - não podem ser editados, nem vendidos, nem emprestados sem grave escândalo; nem se podem ler assiduamente sem pecado grave um periódico ou uma revista que costumam atacar a Igreja ou seus ministros com relativa frequência" (Teologia Moral para Leigos, n. 551)
Na mesma obra, Royo Marín também assevera que não é possível a um católico sustentar espetáculos imorais. Ou seja, os shows dessas bandas também não podem ser vistos ou apoiados por católicos:
"Cometem gravíssimo pecado de escândalo os compositores da letra e da música, as empresas que os apresentam em seus salões, os atores que atuam neles e os que contribuem com seu direito e aplauso para sustentar esses espetáculos. E pecam gravemente os que assistem a eles sabendo de sua imorabilidade ou periculosidade. Se animam outros a fazer o mesmo, são réus de grave escândalo." (n. 548.3)
Ensina-nos São Francisco de Sales em "Filoteia" que devemos nos afastar não só nos afastar das coisas ilícitas, mas também não criar afeição pelos entretenimentos lícitos, uma vez que nos prendem muito à Terra e minam nossas energias para Deus:
"Necessidade de purificar a alma das coisas inúteis e perigosas
Os jogos, os bailes, os festins, os teatros e tudo aquilo, enfim, que se pode chamar pompa do século, de si mesmos e de sua natureza não são de modo algum coisas más, mas sim indiſerentes, que podem ser usadas tanto bem como mal. Contudo, sempre são coisas perigosas e mais ainda o é afeiçoar-se a elas. É por esta razão que te digo, Filotéia, que, embora não seja pecado um jogo comedido, uma dança modesta, vestir-se rica e elegantemente, sem ares de sensualidade, um teatro honesto tanto quanto à composição como quanto à representação, um bom jantar, sem intemperança, contudo, a afeição que se poderia adquirir a estas coisas seria inteiramente contrária à devoção, muito nociva à alma e de grande perigo para a salvação. Ah! que grande perda encher o coração de tantas inclinações vās e loucas, que o tornam insensível para as impressões da graça e de tal modo tomam posse dêle que não lhe deixam nem energia nem gôsto para as coisas sérias e santas!
Exatamente por isso no Antigo Testamento os nazarenos se abstinham não só de tudo o que podia embriagar, mas até das uvas e do agraço; não é que pensassem que uma uva ou outra os pudesse embriagar, mas assim faziam porque tinham mêdo de que, se comessem o agraço, sentissem o desejo das uvas e, se chupassem as uvas, fossem tentados a beber o vinho." (Cap. XXIII)
A lição que nos resta é que o católico deve renunciar muito além do estritamente proibido para tornar-se santo.
Contudo, essa lei da vida espiritual ainda está longe do alcance de Jules. Afinal, ela sequer entende ainda porque devemos renunciar a bandas marqueteiras de Satanás...
Aí se compreende porque Jules não consegue amar a modéstia católica e a devoção do véu, mas apenas fazer chacota delas. Jules pensa igual a seus ídolos do rock. Vê o Catolicismo uma amarra do indivíduo. Jules, por exemplo, se irrita e acha extremamente anormal mulheres usarem véu na Igreja chamando-as de "cosplay da Congregação Cristã do Brasil":
Mas acha normal postar uma foto sua em que mais parece ter saído de Woodstock:
E não estamos exagerando. Woodstock não nos deixa mentir:
Isso é pura dissonância cognitiva e ela é causada, sim, pelo apego ao mundo. O mundanismo impede que Jules e tanto outros compreendam as máximas de Cristo. Por isso Jules já chama o bem de mal e o mal de bem e prefere amar uma banda que desenha p... e v... nos seus álbuns e detestar um padre que vê corretamente tudo isso como um grande impedimento ao crescimento espiritual.
Ora, sabemos pela Teologia Ascética católica que o remédio para isso é renunciar ao mundanismo, ainda que isso implique em romper com muitas coisas.
Assim ensinam os teólogos:
Antonio Royo Marín:
"Esta necessidade imprescindível de repelir o espírito mundano e abraçar o espírito evangélico traz consigo, indubitavelmente, uma série de dolorosas renúncias que afetam cheio a qualquer cristão, sobretudo caso se trate de um leigo que tem de viver forçosamente em meio ao mundo e respirar por todo lado o seu deletério ambiente. Imagine-se tão-somente a quantidade de privações e renúncias que terá de se impor esse leigo a fim de simplesmente evitar o pecado (mortal ou venial), que de modo algum está autorizado a cometer. Com apenas um traço da caneta, é preciso riscar da lista de coisas permitidas ao leigo todas aquelas que suponham, ao menos, um simples pecado venial. Por duro que isto pareça, é coisa tão clara e evidente que nenhum cristão em são juízo poderá jamais colocá-la em discussão." ("Espirtualidade dos Leigos", n. 621)
Adolphe Tanquerey:
"215. A) Já que o mundo é inimigo de Jesus Cristo, devemos tomar uma posição diametralmente oposta às máximas e exemplos do mundo, repetindo-nos muitas vezes o dilema de S. Bernardo: «Ou Cristo se engana ou o mundo erra; ora é impossível que a Sabedoria divina se engane: Aut iste (Christus) fallitur aut mundus errat; sed divinam falli impossibile est sapientiam. Visto que há oposição manifesta entre o mundo e Jesus Cristo, é absolutamente necessário escolher posição, porque ninguém pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Ora, Jesus é a Sabedoria infalível; é, pois, Ele que tem as palavras da vida eterna, e o mundo é que se engana. A nossa escolha, pois, bem depressa será feita: porquanto diz S. Paulo, nós rece- bemos, não o espírito deste mundo, mas o Espirito que vem de Deus: «Non spiritum huius mundi accepimus, sed Spiritum qui ex Deo est». Querer agradar ao mundo, acrescenta ele, é desagradar Jeus Cristo: «Si hominibus placerem servus Christus non essem». E S. Tiago acrescenta: «Quem quer ser amigo do mundo, torna-se inimigo de Deus: Quicumque ergo voluerit amicus esse saeculi huius, inimicus Dei constituitur»" (Compêndio de Teologia Ascética e Mística)
As Sagradas Escrituras também alertam que aqueles conheceram a Lei de Jesus Cristo e depois se deixaram vencer pelo mundo se tornam piores do que aqueles que nunca conheceram:
"Com efeito, se aqueles que renunciaram às corrupções do mundo pelo conhecimento de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, nelas se deixam de novo enredar e vencer, seu último estado torna-se pior do que o primeiro. Melhor fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás, abandonando a Lei santa que lhes foi ensinada. Aconteceu-lhes o que diz com razão o provérbio: O cão voltou ao seu vômito (Pr 26,11); e: A porca lavada volta a revolver-se no lamaçal." (2 Pe 2, 20-22)
Jules justifica o apego a essas bandas anticatólicas alegando amor à si própria. Sim, concordamos com ela. Sua rejeição à Sabedoria da Igreja é porque ama demasiadamente a si mesma, pois falta-lhe, em suma, humildade verdadeira.
Quando não há verdadeira humildade o Catolicismo se torna realmente algo incômodo, um fardo a se carregar.
Conclusão
O problema de Jules e de outros que pensam como ela não é o catolicismo tradicional, mas não amarem suficientemente a lei de Cristo. Continuam muito atados ao espírito do mundo e por isso enxergam o Catolicismo como um peso, como uma oposição à felicidade, ainda que se enxerguem como católicos.
A respeito, recomendamos o Sermão "Sou Feliz por Ser Católico?" do Pe. Ivan Chudzik, IBP, que diagnostica esse problema em muitos católicos atuais.
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