segunda-feira, 30 de junho de 2025

Todo Católico é Tradicional? Só os que Tocaram a Tradição. Por que é Justo Ser Chamado Católico Tradicional.

Padres do Instituto Bom Pastor

Os debates recentes em torno do Centro Dom Bosco, conquanto tenham lançado muitos à febre da intemperança, têm servido, ao mesmo tempo, como ocasião para purificar as premissas da controvérsia. Nada como o fogo da discórdia para revelar os metais autênticos de um argumento — ou, pelo menos, separar o ouro das latas.

A última das querelas envolve católicos chamados conservadores que reagem com certa indignação ao apelo de católicos tradicionais para que se “abrace a Tradição”. O fundamento da objeção parece, à primeira vista, razoável: todo fiel que cumpre os preceitos da Igreja seria, em sentido pleno, um católico tradicional. Mas o problema — como quase sempre ocorre nos debates modernos — não está na lógica, mas na linguagem.

Tal objeção, todavia, revela mais uma incompreensão do que propriamente um argumento. Em geral, os chamados católicos tradicionais não empregam a expressão “aderir à Tradição” em sentido meramente canônico ou jurídico, como se bastasse observar os preceitos mínimos da fé. Trata-se, antes, de uma experiência existencial e espiritual: a redescoberta — muitas vezes tardia — da liturgia perene e dos costumes imemoriais da Igreja, quase sempre ausentes das paróquias comuns.

Expressões como “conheci a Tradição” ou “reencontrei a Tradição” nada mais são do que metonímias para descrever essa realidade interior: o assombro diante da liturgia tradicional, o encantamento de quem, pela primeira vez, respira o ar dos séculos, e não o hálito rarefeito das modas transitórias, e o grito de quem, após longo exílio, retorna à pátria. É sobretudo nos ambientes tridentinos que o fiel experimenta, muitas vezes pela primeira vez, essa impressão de eternidade: o contato concreto com a Tradição viva, que não envelhece porque, sendo verdadeira, permanece.

Dizer, portanto, que “toda missa é tradicional” ou que se assiste à “tradicional missa da paróquia do bairro” é, no mínimo, uma forma requintada de autossabotagem — ou melhor, uma forma velada de mentir para si mesmo. A honestidade intelectual exige reconhecer que, em muitas paróquias, o latim desapareceu, o canto gregoriano extinguiu-se, os paramentos clássicos foram relegados ao esquecimento e os costumes imemoriais da Igreja simplesmente deixaram de existir há décadas. Não se trata, aí, de uma questão de gosto pessoal, mas de uma constatação da ruptura cultural e espiritual com o passado.

É nesse ponto que a ironia se impõe: muitos católicos acham que podem preservar a Tradição sem jamais tocá-la. Como um homem que quisesse herdar o patrimônio de família sem nunca visitar a casa dos avós, nem abrir os baús, nem cheirar os livros.

Aqueles que conhecem, ainda que superficialmente, a realidade litúrgica da maioria das igrejas modernas sabem que canções como Romanos 12, entoadas por certos grupos ditos piedosos, não reproduzem — nem remotamente — a experiência da Tradição. Ao contrário, produzem uma espécie de anestesia espiritual, na qual se dissimula a ausência do sagrado com gestos mecânicos e palavras ocas. Persistir em negar essa evidência, sob pretexto de zelo ou obediência, é fechar os olhos ao que salta aos olhos: é escamotear a realidade com fórmulas inócuas — ou, para usar a palavra justa, é faltar com a verdade.

Liturgistas como Klaus Gamber sustentaram que o rito de Paulo VI, por sua gênese e estrutura, seria um criação essencialmente contemporânea, não podendo fornecer uma experiência autêntica da Tradição. Bento XVI, mais otimista, sugeriu que esse rito podia dar essa experiência sendo fecundado pela forma clássica, numa espécie de “mutua enricchitura”. Mas, qualquer que seja a posição, um fato permanece: a maioria esmagadora das paróquias não fornece, nem na forma nem no conteúdo, uma experiência sensível da Tradição. Fala-se da eternidade, mas tudo cheira ao efêmero.

Por isso, afirmar que o rito romano tradicional tem sido, nas últimas décadas, o principal veículo da experiência concreta da Tradição não é juízo opinativo, mas constatação empírica. Sem ele, é ilusório pensar numa restauração da memória litúrgica e espiritual que a Igreja contemporânea tanto necessita.

Eis, portanto, o núcleo da proposta tradicionalista: “aderir à Tradição” significa reconciliar-se com as fontes vivas da fé, reencontrar o elo perdido entre o presente e o passado eclesial. Foi essa também a intenção manifesta de Bento XVI ao liberar generosamente a Missa Tridentina, com vistas a permitir que a Igreja “se reconcilie consigo mesma”.  E se a reconciliação requer memória, a Missa Tridentina é seu álbum de fotografias: apagá-la seria como apagar a própria identidade.

A esse respeito, vale recordar uma lição do Pe. Chad Ripperger. Ao comentar a visão de Leão XIII sobre os cem anos de liberdade concedidos por Deus a Satanás para tentar a Igreja, o sacerdote observa que tal período simboliza o ataque sistemático a tudo quanto é imemorial. Satanás, ao pedir esse tempo, desejava justamente destruir os monumentos da Tradição. Recuperá-los, portanto, é a missão própria do católico tradicional: missão de resistência, de testemunho e de restauração.

É nesse contexto que se compreende, em toda a sua legitimidade, o convite dirigido aos fiéis de outros movimentos e sensibilidades a que conheçam e abracem a Tradição. Não se trata de exclusivismo, mas de coerência histórica e doutrinal. Tradição não é apenas aquilo que acontece dentro da Igreja, mas aquilo que, dentro dela, se transmite com longevidade e universalidade. Um carismático ou um membro do Caminho Neocatecumenal pode, sem dúvida, ser um católico fiel. Mas não pode, por definição, ser considerado tradicional. E a razão é simples: a Tradição exige tempo. A Tradição não se improvisa — ela amadurece no tempo. Um movimento cujo modo de ser tem quarenta ou cinquenta anos pode ser válido, mas ainda não é tradição: é juventude e juventude com todos os seus erros. A juventude pode não ser culpada por eles; mas tampouco pode ensinar com a sabedoria dos anciãos. Não se trata aqui de censura doutrinal, mas de um juízo cronológico.

Em suma: o convite a “abraçar a Tradição”, quando bem compreendido, é mais do que legítimo — é necessário. Pois a crise da Igreja contemporânea é, em boa parte, uma crise de amnésia. E quem perde a memória perde o nome, o rumo e até a fé. Porque não se apaga a memória da Esposa de Cristo sem apagar, pouco a pouco, o rosto do próprio Senhor.

quinta-feira, 12 de junho de 2025

O Direito de Criticar e o Dever de Amar (Porque na Igreja é preciso morder com reverência)

Fundadores da FSSP com São João Paulo II

Ainda sobre a publicação pelo Centro Dom Bosco do livro "Erros do Catecismo Moderno" de Michael Haynes.

A análise serena das relações entre a Santa Sé e os institutos tradicionalistas revela um dado pouco considerado, mas de grande relevância teológica e pastoral: nos acordos firmados com os institutos provenientes da antiga Comissão Ecclesia Dei, jamais se exigiu, como condição prévia de reconciliação, a retratação das críticas feitas ao Concílio Vaticano II por parte dos sacerdotes aderentes.

Pelo contrário, tais acordos reconhecem que, diante de certos pontos doutrinários e disciplinares do Concílio ou das reformas eclesiásticas subsequentes, que pareçam difíceis de conciliar com a Tradição — entendida aqui como a transmissão viva e orgânica da fé apostólica —, os institutos possam adotar uma postura de estudo respeitoso (FSSPX, 1988) ou até de crítica (IBP, Ato de Adesão), desde que se evitem manifestações de polêmica desnecessária.
A Instrução Donum Veritatis, publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1990, esclarece este ponto de forma inequívoca. Como demonstrou com acuidade o professor Edward Feser, a crítica teológica — quando realizada dentro dos limites da fé, da caridade e da fidelidade ao Magistério — não se identifica com a dissidência. Ademais, como, por sua vez, apontou o Dr. William May, a crítica assume maior legitimidade quando se volta à luz da Tradição para examinar declarações magisteriais recentes que, à primeira vista, pareçam em dissonância com os ensinamentos anteriores do mesmo Magistério.
Ora, confrontar o Magistério recente com o anterior é justamente a essência da crítica tradicionalista. E talvez por isso mesmo ela seja mais suportada — não por condescendência, mas por coerência — do que a crítica protestante, que não se ergue sobre o fundamento de Pedro, mas sobre o vácuo do livre exame absoluto.
Nesse sentido, o "Breve Exame Crítico do Novus Ordo Missae" é um exemplo luminoso de crítica severa, porém inteiramente tolerada dentro dos limites indicados pela própria Igreja. E outros livros, publicados por padres oriundos dos institutos ex-Ecclesia Dei, seguem a mesma toada: crítica reverente, ainda que firme, como um monge que repreende um imperador.
Cumpre ainda afastar um equívoco frequentemente repetido: a Donum Veritatis não exige que a crítica teológica seja exercida exclusivamente em foro privado, como se o fiel ou o teólogo devesse submeter suas dúvidas apenas ao bispo diocesano, em caráter confidencial, como fazem crer certas opiniões piedosas, mas insensatas. O que a Instrução reprova, com inteira justiça, é a instrumentalização da crítica por meio da mídia de massa, utilizada como instrumento de pressão ou agitação, o que não raro redunda em escândalo ou confusão para os fiéis. A crítica pode ser pública — sobretudo em obras teológicas ou acadêmicas —, mas deve ser sempre sóbria, reverente e construtiva.
Dessa forma, é plenamente possível publicar um livro crítico ao Catecismo promulgado em 1992, contanto que tal obra se paute pelo respeito devido ao Magistério da Igreja e se inspire em espírito de serviço à verdade revelada.
É precisamente neste ponto que se manifesta uma falha recorrente em certos meios tradicionalistas: a tentação da linguagem injuriosa, que em nada contribui para a edificação da fé. O título original da obra de Michael Haynes — A Catechism of Errors — é, sob qualquer critério eclesial, irreverente e desproporcionado. Nada impedia que o autor adotasse um título mais sóbrio e científico, como "Exame Crítico do Catecismo de 1992", que teria exposto sua tese com a dignidade que o tema exige. O Centro Dom Bosco, ao traduzi-lo como "Os Erros do Catecismo Moderno", buscou conferir maior moderação à proposta, mas o esforço acabou neutralizado pela estratégia publicitária da obra, que reforçou o tom polêmico e acentuou o desconforto.
Tais equívocos de forma, embora não alterem substancialmente o conteúdo da crítica, prejudicam sua recepção entre os fiéis, pois o público, que não é teólogo, reage não ao conteúdo do livro, mas ao tom da voz. O resultado é que se deixa de ouvir um argumento e se passa a denunciar um “ataque à Igreja” — e às vezes, com razão. Ao invés de suscitar o debate sereno e o exame objetivo, esses equívocos alimentam suspeitas e reações defensivas. E assim se compreende que muitas críticas feitas à obra não digam respeito à substância do argumento, mas à sua apresentação imprudente.
Mas, antes de tudo isso — antes do barulho, antes da polêmica, antes do escândalo — há uma virtude primária, que já foi chamada de justiça, e que hoje é confundida com curiosidade: ler o livro antes de criticá-lo.
Pode parecer pouco. Mas é o primeiro passo para qualquer católico que deseje defender a verdade com aquela virtude de que tanto falamos e tão pouco praticamos: a caridade.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Depois de Francisco: O Despertar das Linhas de Batalha


O Centro Dom Bosco publicou um livro de Michael Haynes a respeito dos problemas do Catecismo amarelo — e, francamente, não é isso que causa espanto. O CDB vem marchando para cada vez mais perto da Fraternidade São Pio X.

O que, sim, surpreende — e até diverte — é perceber quão numerosas são as almas que nunca ouviram falar do movimento tradicionalista, nem do estranho e velho ofício de discutir apaixonadamente dentro da mesma Igreja. Como se alguém estranhasse que irmãos brigassem na mesma casa por amor ao mesmo pai. São almas que desconhecem por completo as questões que o tradicionalismo introduz nos debates da vida eclesial.

Durante certo tempo, as discussões sobre o Concílio Vaticano II e seus efeitos na vida da Igreja pareceram recolher-se como soldados feridos à sombra de um hospital de campanha — ou melhor, de um pontificado de campo. O “efeito Francisco”, com sua força centrífuga e sua lógica desconcertante, conseguiu adormecer — ou ao menos distrair — os debates teológicos mais profundos com uma avalanche de gestos, improvisos e perplexidades pastorais.

Diversos setores tradicionalistas, bem como alguns segmentos conservadores, foram constrangidos a suspender disputas internas para se unirem na tentativa de compreender e enfrentar um pontificado que, com inquietante clareza, demonstrava resistência, quando não repulsa, à herança doutrinal e litúrgica de viés conservador/tradicional.

O Papa Francisco introduziu no governo da Igreja um estilo inédito entre os pontífices pós-conciliares: mais alinhado às tendências progressistas, não raro marcado por improvisações teológicas, termos recém-criados ("Igreja sinodal", "Igreja samaritana"), e uma retórica frequentemente crítica à Tradição (“indietrismo”, por exemplo). Em consequência, debates outrora centrais — como o significado preciso do subsistit in da Lumen Gentium, a natureza da liberdade religiosa ou o problema teológico do monoteísmo comum com os muçulmanos — foram substituídos por urgências mais imediatas: a disciplina da Eucaristia em casos irregulares, a aprovação implícita de bênçãos a uniões contrárias à moral natural, a severa restrição à Missa tridentina, bem como declarações desconcertantes relativas ao inferno ou ao valor salvífico universal das outras religiões.

Enquanto os tradicionalistas combatiam, no Brasil, floresciam, como brotos em terreno alternativo, os chamados “Missionários Digitais”. Eram apóstolos de outro campo de batalha: mais catequético, mais motivacional, mais instagrâmico. Para eles, as discussões dos tradicionalistas soavam como murmúrios em latim numa estação de metrô. Seus seguidores — em sua maioria recém-convertidos ou neófitos entusiasmados por Frei Gilson e por The Chosen — buscavam fervor, consolo, louvor e estética. A teologia, no entanto, ficava num canto da sala, como um avô cansado. Nomes como Allan Carrion, Santa Carona, Segundo Católico, Colo de Deus e Católicos de Verdade dominavam esse cenário, promovendo um catolicismo acessível, emocional e oficialista — quando não apenas alheio à crise, ao menos inconsciente dela.

Junto a esse universo, erguia-se ainda a torre dos influenciadores do marketing católico, formados na escola pragmática de Ítalo Marsili, Ícaro de Carvalho e, claro, do sempre discreto Opus Dei. Foi uma época em que choveram — como maná requentado — frases de São Josemaria Escrivá e exortações a uma vida de sucesso profissional com oração matinal, missa diária e virtudes bem diagramadas — tudo isso, porém, sem encarar o elefante eucarístico na sala: a ruína da liturgia, o silêncio cúmplice de maus pastores, a decadência doutrinal. Temas que os tradicionalistas, quase sozinhos, continuavam a debater como quem tenta reacender uma lâmpada numa catedral sem luz. Era, muitas vezes, uma espiritualidade de bons costumes e bons contratos.

Com a morte do Papa Francisco, o quadro se transforma. Os tradicionalistas e essas duas correntes que antes corriam em paralelo — missionários digitais e influenciadores pragmáticos — começam a se olhar nos olhos. Muitos “Missionários Digitais” e dos seus seguidores, ainda sem compreensão adequada da teologia e da eclesiologia tradicionalista, reagem ao tradicionalismo como uma criança reage a um trovão: com medo, risos nervosos e, sobretudo, sem entender. E tentam nomear o que não compreendem com palavras herdadas do susto: "sedevacantismo", "protestantismo". Quando, na verdade, tudo não passa do eterno retorno de uma questão que se recusa a morrer: afinal, qual o tamanho que o Vaticano II deve ter na vida católica? Por sua vez, os influenciadores de matriz liberal-católica, como aqueles vinculados ao universo de Marsili e afins, encontram-se em visível declínio. Como o catolicismo nunca foi o centro de suas atividades, a progressiva secularização de seus perfis, agora mais profissionais, confirma uma orientação mais voltada ao sucesso pessoal do que à integridade da fé.

E assim, o que se desenha no horizonte não é o apaziguamento da controvérsia, mas o seu renascimento. O antigo debate sobre o Vaticano II — como um fogo soterrado sob as cinzas — começa a reacender. Tradicionalistas e continuístas retomam seus postos no front, e os fiéis dos missionários digitais, como ovelhas surpreendidas pelo fogo nos dois lados do campo, acabarão se alinhando, cedo ou tarde, a um dos dois exércitos.

Em suma, o que se anuncia não é o fim de uma era, mas o juízo de sua consistência. O “efeito Francisco”, por mais desconcertante que tenha sido, serviu — como um estranho profeta de fábula — para revelar as fragilidades e descompassos da vida católica contemporânea. Mostrou-nos que há um tradicionalismo que resistiu não por nostalgia, mas por convicção; e que há um catolicismo midiático que, por evitar as perguntas difíceis, agora precisa dar respostas inevitáveis.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Surpreendidos pela Esperança. Reações tradicionalistas ao Papa Leão XIV.

É evidente — e há evidências que não se provam, mas se sentem, como o perfume de uma vela recém-apagada — que existem tradicionalistas feridos, desconfiados, com olhos treinados para ver o erro antes da esperança. Homens endurecidos pela guerra, tão acostumados ao cerco que já não sabem distinguir o soar dos sinos do estourar das bombas. Sim, alguns deles ainda esperam o “Papa tradicional” como se esperassem um comandante para a última cruzada. E se não o veem surgir no balcão da bênção, franzem o cenho e armam o coração.

Mas eis o milagre: a maioria dos grandes nomes do Tradicionalismo, esses mesmos que há pouco estavam nas trincheiras, levantou os olhos... e baixou as armas. Porque não é sempre que o céu troveja — às vezes ele chora, às vezes sorri. E desta vez, parece que sorriu.

No dia 1º de Leão XIV, não ouvimos o som de escudos se batendo, nem de lanças se quebrando. O que ouvimos foi mais parecido com um suspiro.

— Taylor Marshall, que alguns esperavam encontrar de espada desembainhada, disse simplesmente: “Eu me submeto a Leão XIV.”

— Peter Kwasniewski, que raramente escolhe palavras leves, afirmou com sobriedade: “Considero esse pânico com Leão XIV um erro.”

— Michael Matt, veterano das trincheiras, exclamou: “Devemos dar a Leão XIV o benefício da dúvida. Não há razão para entrarmos em pânico.”

— Bonifácio, do Unam Sanctam, confessou, quase com ternura: “O Papa Leão parece ser um homem genuinamente bom. Senti por ele um afeto paterno sincero.”

— E o editorial do Rorate Caeli, com uma simplicidade desarmada, escreveu com singeleza: “Podem nos criticar o quanto quiserem, mas sentimos uma afinidade cada vez mais calorosa por Leão XIV. Que os católicos tradicionais deem ao novo Papa o amor, a estima, o respeito e as orações que ele merece. Livremente, sem medo, esperando o melhor.”

Ora, isso não é pouco. É como ver, depois de uma longa noite difícil de batalha, a primeira linha dourada da alvorada. Durante os últimos anos, o clima na Igreja foi de guerra — uma guerra fria, silenciosa e invisível, mas profundamente real. As palavras carregavam pólvora. Os olhares, suspeita. E os fiéis andavam como quem pisa em terreno minado, sem saber onde ainda se podia amar a Igreja sem ser acusado de ódio.

Mas, de repente — como num desses momentos em que o Céu resolve brincar de poeta — tudo mudou.

Não veio o raio. Não veio o trovão. Veio... uma brisa. Suave. Como aquela que Elias ouviu na caverna. Como o sopro que antecede a paz. Como a mão de uma mãe no rosto do filho assustado.

E então todos se entreolharam, como que saindo de um pesadelo, e perguntaram baixinho num misto de confusão e esperança: “Foi... Deus?”

E o que se seguiu foi estranho, belo, inesperado: do medo, nasceu o alívio; e do alívio, uma alegria tímida, mas verdadeira. Uma alegria que não grita nem dança, mas que chora em silêncio. Como quem, depois de muito tempo, reencontra um pai. E percebe que ainda é filho.

Muitos, ao olharem o trono de Pedro, esperavam encontrar um administrador tirano de ruínas, um burocrata de esperanças mortas, um eco do passado recente. E então — num gesto tão calmo que pareceu eterno — apareceu um homem que disse: “É necessário que Cristo cresça e eu diminua.”

Esperávamos um lobo. E vimos o Bom Pastor.

É uma dessas viradas que só o Céu sabe fazer. É uma daquelas ironias divinas em que só podemos sorrir, desconcertados e agradecidos.

Os católicos tradicionais foram pintados nos últimos tempos como se fossem demônios vestidos de rendas, vampiros da sacristia, inquisidores ressuscitados das cinzas. E ainda há viúvas de tiranias que os tratam como tal. Mas eles — injustamente acusados, caricaturados, abandonados como se fossem filhos malditos da própria Igreja — não pediam um papa tradicionalista. Pediam um pai. E agora que o veem surgir, muitos se descobriram prontos para amar — não por estratégia, nem por cálculo, mas porque o coração, depois de muito tempo sob o peso da cruz, finalmente respirou.

A verdade é que não viam a hora de poder amar novamente o pai. Porque o Papa não precisa ser um tradicionalista para ser amado. Basta, como Cristo, ser pai.

sábado, 3 de maio de 2025

Do Papa dos Superlativos à Pedra que Tropeçou: Uma breve análise do legado do Papa Francisco.


Com a morte do Papa Francisco, desapareceu da cena da história um dos pontífices mais comentados do último século — e, talvez, o único capaz de despertar ao mesmo tempo aplausos de protestantes liberais, suspiros de ambientalistas suecos e prudente silêncio de católicos que ainda acreditam no Catecismo. Mas o que se tornou mais evidente com sua partida foi um curioso fenômeno que floresceu em sua sombra: o culto à personalidade.

É um paradoxo digno de Chesterton: um Papa que dizia combater os personalismos se tornou o ídolo de um novo tipo de culto — o culto à figura do homem que destrói os cultos. Seus admiradores, em meio a lágrimas sinceras e hashtags performáticas, atribuem-lhe títulos que fariam corar os santos e estremecer os doutores: “O melhor Papa da modernidade”, dizem uns. “O maior dos últimos 500 anos”, garantem outros. E quem os proclama? Profetas de Nárnia, como Mike Lewis, ou paladinos do catolicismo líquido como Carlos Ramalhete. Nos portais progressistas, como o Where Peter Is, a impressão não é de que “onde está Pedro, está a Igreja”, mas sim de que “onde está Francisco, ali começa o Evangelho”.

No entanto, ao examinarmos serenamente seu legado — com o mesmo olhar que um camponês lança ao campo depois de uma tempestade —, não encontramos a solidez de uma grande colheita, mas sim a umidade de muitas palavras. O que se vê é mais bruma do que edifício, mais movimento do que direção. Passemos, pois, ao exame.

1. Uma Pastoral de Desconstrução

O Papa Francisco parecia entender a pastoral como um instrumento mais elástico do que sólido. Sua preocupação, ao que tudo indica, não residia tanto na reverência aos sacramentos quanto na utilidade que deles se podia extrair para os dramas contemporâneos. Por exemplo, ele validou as confissões dos padres da Fraternidade São Pio X — um gesto que, embora carregado de aparente misericórdia, gera algumas questões teológicas do tipo que fazem seminaristas suarem frio. Se a Fraternidade está em cisma, como muitos de seus defensores sugerem, então suas confissões não deveriam ter validade. E se as confissões foram validadas, talvez o cisma não seja tão cismático assim — ou então a teologia moral virou uma espécie de origami espiritual.

Outro caso emblemático é o da Sra. Nancy Pelosi. A congressista norte-americana, devota do aborto como se fosse um sacramental moderno, foi proibida de comungar por seu arcebispo, Dom Cordileone. Mas o Papa, em vez de reforçar a sanção, criticou-a como “uso político” da Eucaristia — e recebeu Pelosi de braços abertos no Vaticano. E assim, em nome de evitar o uso político dos sacramentos, usou-se politicamente o sacramento.

Aqui, algo se inverteu: a consciência subjetiva foi posta como rainha, e a norma objetiva, como criada silenciosa. A moral foi dobrada à psicologia, e a Tradição, submetida a um novo Magistério — o da compaixão ambígua. Esta tornou-se um critério autônomo, e a coerência, um incômodo.

2. Documentos como Enigmas

O pontificado foi fértil em documentos — alguns doces como colinas de Assis, outros densos como os desertos de Qumran. Há quem os leia com entusiasmo, e há quem precise de exorcista e gramático. Os textos que mais marcaram este tempo não foram os que confirmaram a fé, mas os que exigiram novas comissões para explicar o que, segundo os Apóstolos, deveria ser claro como a luz da manhã.

Traditionis Custodes tratou a Missa dos séculos como se fosse um desvio disciplinar. Amoris Laetitia insinuou que há pecados com os quais Deus decidiu conviver. Fiducia Supplicans ofereceu bênçãos que não abençoam, para uniões que não se santificam. O Catecismo foi mudado para condenar o que antes era permitido, como a pena de morte. E a declaração de Abu Dhabi sugeriu que todas as religiões são dons de Deus — o que é, ao mesmo tempo, confortador e aterrador, pois significa que a Cruz de Cristo teria sido um mero gesto estético.

Havia ali uma nova linguagem. Não herética de forma, mas enigmática de substância. Uma linguagem que parecia saída de parábolas pós-modernas, onde ninguém é condenado, ninguém se converte, e ninguém mais sabe o que é pecado — mas todos são acolhidos, inclusive os erros.

3. Governo eclesial ou partido sinodal?

Francisco se notabilizou por promover maus amigos e afastar bons adversários. Nomeou bispos e cardeais de inclinação progressista com uma constância quase matemática. Um de seus últimos gestos foi promover Robert McElroy, conhecido por defender ideias bastante criativas sobre a ordenação feminina, ao arcebispado de Washington. Entre tantos nomes possíveis, escolheu exatamente aquele que faria a tradição suspirar — não de alegria, mas de susto.

Por outro lado, tratou com rigorosidade bispos ligados à liturgia tradicional ou a doutrinas “demasiado claras”. Fez do Instituto João Paulo II um campo de reeducação pastoral. Quando o aborto estava prestes a ser aprovado na Argentina, sua pátria natal, sua reação foi tão discreta quanto um suspiro num show de rock.

4. Sínodos Sem Fim e Fins Sem Sínodo

O pontificado foi marcado por reuniões — muitas, longas e ruidosas. Mas reuniões são o substituto moderno da ação. O Sínodo da Amazônia terminou em Pachamama. O da Sinodalidade, que ainda se desenrola, segue em curso como um rio que se recusa a encontrar o mar. Foi tão inovador que acolheu votos leigos — porque, afinal, ninguém melhor do que um sociólogo de ONG para orientar a Igreja Universal.

5. A Herança: Uma Igreja Polarizada

O fruto visível de tudo isso é a polarização. A Igreja, outrora dividida entre fiéis e pecadores, entre judeus e gentios, entre monges e bárbaros, agora se divide entre “francisquistas” e “tradicionalistas”. E o próximo Papa, seja ele um novo Leão, um novo Gregório ou apenas um novo João, já nascerá cercado por expectativas e rejeições. Não será recebido como pai universal, mas como herdeiro de uma guerra civil.

O Pe. Allan Victor Marandola exprimiu bem: o novo Papa será julgado antes mesmo de falar. E talvez este seja o maior legado de Francisco — não a misericórdia, mas a tensão. Não a inclusão, mas a ruptura. Um Papa que desejou ser ponte, mas foi, inadvertidamente, um divisor de águas.

Conclusão

O tempo do Papa Francisco passou — como todos passam. Seus gestos serão pesados. Seus escritos, debatidos. Suas decisões, revisadas. Mas a Igreja continuará, porque ela não repousa no carisma de um homem, mas no corpo místico de um Deus humanado.

Roguemos, pois, para que o próximo pontífice governe não com astúcia política, mas com sabedoria de profeta; que una os filhos dispersos, não por manobras sinodais, mas pela verdade que liberta.

"Santifica-os na verdade: a tua palavra é a verdade." (Jo 17,17)

Porque a Igreja, afinal, não foi feita para agradar os tempos. Foi feita para salvá-los.


quinta-feira, 1 de maio de 2025

Três urgências do próximo pontificado

O novo Papa — seja quem for, venha de onde vier, com os traços de Pedro ou os gestos de Apolo — terá diante de si não uma página em branco, mas uma folha manchada. Haverá feridas a suturar, pilares a restaurar e, sobretudo, a coragem de desagradar aos que vivem da paz dos compromissos ambíguos. Três tarefas se impõem com urgência: libertar o sagrado, anunciar o verdadeiro e purificar o governo.

1. Libertar o sagrado

Entre as dores do último pontificado, poucas foram tão agudas quanto o cativeiro imposto à Missa Tridentina. A ferida aberta pela sua restrição ainda sangra nos corações dos fiéis — não por rebeldia, mas por amor. A Missa Antiga não precisa ser tolerada como uma peça de museu; precisa ser libertada como um prisioneiro injustamente condenado. E não apenas por justiça à tradição, mas por misericórdia com a própria Missa Nova, hoje tão extraviada nos desertos do experimentalismo litúrgico que já não sabe se é sacrifício ou espetáculo.

É irônico — como quase tudo na história da Igreja — que a única Missa que nunca foi abolida de fato tenha sido a mais perseguida de direito. A sua libertação será o primeiro passo não de uma cruzada estética, mas de uma restauração espiritual.

2. Anunciar o verdadeiro

Confundiu-se, nos últimos anos, evangelização com entretenimento. Sorrisos simpáticos, abraços coletivos, freiras dançantes e padres performáticos. Evangelizar hoje foi rebaixado a um exercício de cordialidade afetiva. A Boa Nova virou um bom dia e o Anúncio um abraço. Evangelizar já não é anunciar o Reino. É organizar retiros com músicas de flauta doce, distribuir pulseirinhas coloridas e repetir que “Deus te ama” com a mesma voz que se usa para consolar um gatinho ferido. 

A ironia atinge seu cume quando os novos evangelistas — os mesmos que condenam com ardor qualquer forma de evangelização verdadeira como proselitismo — organizam simpósios inteiros para discutir como converter... sem converter. Eles dizem: “É preciso anunciar, mas sem impor; é necessário dialogar, mas sem convencer; é urgente evangelizar, mas sem usar palavras.”. E o novo evangelista, ao ver um pagão, não lhe pergunta se quer ser batizado, mas se gostaria de conversar sobre "experiências significativas". Ao que parece, o Espírito Santo se converteu ao estilo zen e agora trabalha com gestos interpretativos. E de repente se espera que o muçulmano, o ateu e o agnóstico descubram a divindade de Cristo pela temperatura do sorriso do padre. Mas o mundo não foi salvo por um gesto simbólico: foi salvo por uma pregação sangrenta.

Contra tudo isso, ressurge a figura do padre Federico Highton no Malawi.


Sem powerpoints, sem danças, sem comitê de acolhimento inter-religioso. Apenas o Evangelho, uma catequese de dez minutos e a pergunta mais subversiva da modernidade: “Queres ser batizado?” E diante do “sim”, os sacramentos. Nenhum formulário. Nenhum workshop. Nenhum cardeal dançante.

E, no entanto, São Pedro evangelizou assim. São Francisco Xavier evangelizou assim. E Cristo também.

3. Purificar o Governo

A Igreja sempre teve pecadores. Mas há um tipo de pecado que grita mais alto do que todos: a nomeação episcopal errada. Santo Afonso de Ligório — um moralista, não um influenciador — dizia que promover indignos ao episcopado e ao cardinalato é pecado mortal:

“É certo que de nenhum modo se eximem de pecado mortal os que promovem os menos dignos ao episcopado e ao cardinalato.” (Th. Moralis, Lib. III, a. II, q. 91)

E por quê? Porque os cargos eclesiásticos existem para o bem comum da Igreja, e não para as alianças políticas nem para a paz dos corruptos.

Mas a lógica recente foi a inversa: bons bispos e cardeais foram silenciados; os piores entre eles, promovidos com fanfarra.

O próximo Papa não reformará tudo — e nem precisa. Mas deve iniciar a correção. A paz confortável dos Tuchos, Martins, Roches e Hollerichs da vida precisa ser perturbada. 

Purificar a hierarquia é salvar as almas. Pois uma Igreja sem santos no altar terá demônios no púlpito.

Conclusão

Em suma, a Igreja não precisa de novidades: precisa de veracidade. Uma liturgia que santifica, uma pregação que converte, uma hierarquia que governa com retidão. São essas as três colunas que o próximo pontificado deve restaurar — e restaurar com zelo apostólico, não com prudência mundana.

quinta-feira, 24 de abril de 2025

Entre a fumaça branca e a fumaça woke: a morte de Francisco e as perspectivas para o próximo conclave.

A morte de um Papa é, por definição, um evento de luto. Mas, para muitos católicos, especialmente os que ainda rezam em latim e acreditam em anjos com espadas flamejantes, a notícia da morte de Francisco foi recebida com um misto de sobriedade e esperança, como se após longos anos no deserto alguém tivesse finalmente encontrado um oásis… ou, ao menos, parado de caminhar em círculos. O conclave se aproxima. E se alguns esperam por continuidade, outros imploram por conversão. Não do Papa, mas dos cardeais.

Com ligeiro atraso — porque o tempo da eternidade não se mede em minutos — comentamos a maior notícia da semana: a morte do Papa Francisco. Sua partida, embora há muito aguardada pelos oráculos e pelos boletins médicos, foi súbita. O Vaticano informou que o pontífice sucumbiu a um acidente vascular cerebral, seguido de parada cardiorrespiratória. Não teve tempo de pronunciar suas últimas palavras, tampouco de receber os últimos sacramentos, ao contrário de São João Paulo II e do contemplativo Bento XVI, que expirou enquanto rezava, como nos contou seu secretário pessoal, Dom Georg GänsweinRezando — como quem sabe que está prestes a encontrar Aquele que é.

Não faremos aqui um elogio fúnebre. Nem um dossiê de erros. Já o dissemos antes — com a reverência de um servo ferido, mas não rebelde — que foi um tempo difícil para os católicos tradicionais. Mas como ensinou Nosso Senhor, “deixai os mortos sepultar os seus mortos”. O luto cristão não é um memorial de mágoas, mas uma esperança vestida de luto.

A este Papa, desejamos sinceramente a salvação de sua alma e oferecemos nossas orações em sufrágio. O juízo eterno já foi pronunciado — e foi feito por Aquele cujas balanças são mais exatas que os nossos artigos. E, diferente do Twitter, no Céu não há botão de editar.

O conclave se aproxima. Um conclave é sempre um mistério envolto em fumaça, mas hoje em dia também é um evento midiático com ares de eleição parlamentar. Homens com anéis, celulares e simpatias pelo Greenpeace decidirão quem sentará na cadeira do pescador. E o que está em jogo é mais do que a sucessão de um pontífice: é a continuidade — ou não — de um projeto de Igreja que parece ter sido escrito numa reunião de marketing da ONU.

O que nos preocupa, de fato, é o que virá. Sim, porque um Papa pode morrer, mas a barca de Pedro não naufraga — apenas muda de timoneiro. A eleição vindoura dirá se o espírito do pontificado de Francisco encontrará continuação ou se a Igreja, como quem desperta de um longo torpor, respirará novamente com os pulmões da Tradição. Esperamos, com humildade e firmeza, que respire.

Não é segredo para ninguém que, sob Francisco, o catolicismo progressista recebeu não apenas abrigo, mas alforria. Bispos conservadores foram depostos, comunidades tridentinas desfeitas, e as teologias da libertação e da inversão sexual tiveram projeção inédita — tudo sob a justificativa de uma Igreja que "não se fecha em si mesma", como se a verdade precisasse de arejamento, e as doutrinas eternas passaram a conviver com “desenvolvimentos pastorais” que lembram mais liquidação de fim de estoque do que teologia.

Mas a realidade, essa senhora impiedosa, é que 80% dos cardeais eleitores foram escolhidos por Francisco. Ou seja: o conclave está para o pontificado como a sobremesa está para o jantar — geralmente repete o sabor do prato principal.

Eis os favoritos da casa:

1. Pietro Parolin, organizador nato e inimigo declarado da Missa Tridentina — um Francisco com Excel.

2. Luis Antonio Tagle, "Imagine all the people"… sem missa tridentina.

3. Matteo Zuppi, autor de prefácio para livro de teologia LGBT. Um cardeal que fala muito em pontes, mas não parece saber onde termina a margem do Evangelho.

4. Jean-Marc Aveline, acredita tanto no ecumenismo que talvez seja capaz de canonizar Lutero, Ghandi e Pikachu.

5. Péter Erdo, canonista húngaro, meio conservador, meio neutro — ou seja, um meio termo que pode pender.

6. Robert Sarah, o último dos moicanos. Tradicional, santo, litúrgico — mas, talvez, santo demais para ser eleito.

Se os de primeira linha tropeçarem, a segunda linha pode surpreender. A esperança, essa danada de virtude teologal, espreita candidatos mais palatáveis. É provável que emergam os nomes da retaguarda — que, em matéria de fé, muitas vezes são os verdadeiros guardiões da frente:

1. Pierbattista Pizzabala, patriarca latino de Jerusalém — nomeado por Taylor Marshall,  o que já é uma curiosidade.

2. Malcolm Ranjith, do Sri Lanka, tradicional e corajoso — proibiu acólitas. Não teme as meninas, o que é raro hoje em dia.

3. Gerhard Müller, ex-prefeito da CDF, teólogo nato. O problema é que tem amigos demais entre os liberais — e isso costuma ser contagioso.

4. Raymond Leo Burke, leão da Tradição. Mas o leão ruge isolado — e o conclave prefere os pastores mudos.

5. William Eijk. Holandês, conservador e crítico da exortação Amoris Laetitia. Não sabemos se é um defensor da Missa Tradicional, mas é um nome para se guardar no bolso.

6. Orani Tempesta. brasileiro, monge, e amante da Missa Tradicional. Colocado aqui não por força diplomática, mas por profecia — o que não se deve ignorar levianamente.

Este blog não finge: quer um Papa tradicional. Que ame a Missa Antiga, tema o Inferno e ignore as estatísticas do Pew Research. Um homem com espinha dorsal, joelhos no chão e o Catecismo no coração. Um camponês da eternidade.

E por isso, nossa torcida é clara:

1. Sarah;

2. Burke;

3. Ranjith;

4. Müller.

Se vier um milagre, agradeceremos. Se não, nos resta a paciência dos mártires e a ironia dos profetas.

Contudo, em que pese as nossas preferências, é preciso lembrar que o colégio cardinalício, desde sua formalização no século XII, raramente produziu santos. As escolhas, não raro, privilegiaram a administração em detrimento da santidade, como se o Reino de Deus dependesse de planilhas.

Hoje, os cardeais parecem mais preocupados com:

1. Administração (o Vaticano está falido, não se esqueça);

2. Imagem pública (não se pode ter um Papa que seja cancelável no Twitter);

3. Unidade institucional (não a da fé — essa é secundária — mas a dos departamentos e fundações).

Esses critérios produzem Parolins, Zuppis e Avelines. Mas talvez — talvez! — Deus nos surpreenda, como fez tantas vezes ao longo da história. Talvez surja um moderado conservador, um Erdo, um Pizzaballa, um Eijk. Talvez, o Espírito Santo, cansado de ser citado como desculpa para ambiguidades, queira ser obedecido.

O que esperamos é que o próximo pontífice seja inspirado pelo Espírito Santo e lembre, a despeito de todo seu passado progressista ou conservador, do primeiro dever da Cátedra Petrina, isto é, guardar o Depósito da Fé, como nos ensina o imortal Concílio Vaticano I:

"Pois o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro, não para que, por sua revelação, tornassem conhecida alguma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, guardassem religiosamente e expusesse fielmente a revelação ou depósito da fé transmitido pelos apóstolos."  (Concílio Vaticano I, Sessão 4, Capítulo 4)

E guardar também as grandes tradições da Igreja, como exigia o antigo juramento papal:

"Manter a disciplina e o rito da Igreja, como os encontrei e como os descobri dados pelos meus santos predecessores, invioláveis." (Patrologia Latina, 105, 42C (Liber Diurnos Romanorum Pontificul, Lib. II, Titulum VII))

Conclusão

E o que nos resta?

Nos resta a fé. Não a fé nos homens de púrpura, mas naquele que escolheu fundar a Igreja sobre Pedro — um pescador impulsivo, e não um diplomata emérito. A Igreja sobreviveu a imperadores, a invasões bárbaras e até a certos papas. Sobreviverá também a este conclave. Ou não. Mas a Igreja é mais velha que qualquer coisa escrita contra ela, e mais jovem que qualquer moda que tente superá-la.

Se o próximo Papa for um santo, louvado seja Deus. Se for apenas um bom administrador, rezemos. Se for um desastre, então preparemos as catacumbas. Já estivemos lá antes. E, ao contrário do que dizem os teólogos da moda, os cristãos são mais perigosos quando estão nas sombras.

Que venha a fumaça — e que, por milagre ou misericórdia, seja branca.

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