sexta-feira, 14 de março de 2025

Considerações sobre Frei Gilson e o Rosário da Madrugada.

 

Frei Gilson foi recentemente alvo de ataques de jornalistas de esquerda após afirmar em pregação que a mulher foi criada para ser auxiliar do homem. O jornalista Helder Maldonado fez o seguinte comentário na plataforma X:


A página católica de esquerda Katholicos Brasil também se manifestou, publicando um extenso comentário no qual chamou o frei de "fundamentalista":


Diversos católicos e figuras da direita brasileira reagiram aos ataques, destacando os números impressionantes do Frei Gilson, que reuniu 1,3 milhão de pessoas em seu Rosário da Madrugada às 4h da manhã no último dia 10 de março.

Diante desse cenário, abordaremos primeiramente a figura do Frei Gilson e, posteriormente, faremos uma análise do Rosário da Madrugada.

Sobre Frei Gilson

Frei Gilson é um sacerdote dos Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, tem 38 anos e notabilizou-se nos últimos anos pelo famoso Rosário da Madrugada. Segundo o religioso, a ideia surgiu de seu desejo de realizar uma penitência mais significativa para Deus. Ele escolheu rezar um rosário às 4h da manhã e, posteriormente, abriu essa prática para outras pessoas, especialmente aquelas que sofriam de insônia, para que rezassem junto com ele.

Em pouco tempo, Frei Gilson viu suas transmissões ao vivo atraírem centenas de milhares de pessoas, chegando ao auge de mais de 1 milhão de participantes. Seu estilo carismático é evidente, como demonstram suas missas, que incluem momentos de louvor antes do Ofertório e são acompanhadas por instrumentos musicais como piano, bateria, violão e guitarra.


Todas essas imposturas carismáticas na liturgia nós nos afastamos e já comentamos extensamente nos artigos "Sobre o Tradismatismo" e "O PHN é um avivamento católico?". É grave o dever dos sacerdotes carismáticos de corrigir essa postura. Esperamos que Frei Gilson faça isso no futuro.

Embora essas práticas carismáticas na liturgia sejam alvo de críticas e mereçam correção, é importante notar que Frei Gilson se destaca de outros padres carismáticos. Ao contrário de figuras como Pe. Marcelo Rossi ou Pe. Fábio de Melo, ele não busca celebridade ou fama pessoal. Quando convidado a participar de podcasts, seu foco é a pregação, e suas mensagens são ortodoxas e acessíveis ao público mais simples. Em muitos aspectos, ele pode ser comparado a um "Pe. Paulo Ricardo do povão", transmitindo humildade e sinceridade em suas intenções.

Os ataques da esquerda a Frei Gilson revelam um equívoco fundamental sobre sua postura. Ele não se posiciona como um sacerdote engajado em disputas políticas ou como um "padre bolsonarista". Embora a direita brasileira busque associá-lo a seus valores, ele próprio não adota uma postura partidária. Assim, as críticas que o rotulam como "fundamentalista", "machista" ou "bolsonarista" parecem infundadas e desproporcionais, considerando a popularidade e a reputação do religioso.

Admiramos Frei Gilson por sua dedicação e compreendemos que os ataques contra sua pessoa são injustos e exagerados. A preocupação da esquerda em relação a 2026 é compreensível, pois Frei Gilson representa um símbolo de uma crescente adesão popular a valores religiosos e conservadores.

Ponderemos agora sobre o Rosário da Madrugada.

Sobre o Rosário da Madrugada

O Rosário da Madrugada parece ter surgido de uma moção divina, dado o grande número de pessoas que se reúnem em um horário tão improvável para rezar. Levantar-se às 4h da manhã é uma prática penitencial que contrasta com a cultura popular brasileira, mais associada a festas e diversões noturnas. Ver milhões de brasileiros dispostos a esse sacrifício espiritual é um fenômeno significativo.

O brasileiro é conhecido por ficar até tarde da noite em festas, baladas, carnaval e fazer vigílias para comprar ingressos de show das figuras mais patéticas possíveis como, por exemplo, Madonna:


Portanto, o brasileiro se levantar 4h da manhã para rezar o terço parece ser um verdadeiro despertar para a vida espiritual. Finalmente, o brasileiro começa a olhar para o céu.

O Rosário da Madrugada também tem atraído católicos afastados, pessoas mundanas e até protestantes. O youtuber Marlon Arlanas destaca o grande número de protestantes que acompanham a oração.


Os comentários de protestantes que acompanham o rosário do frei são numerosos. Coletamos alguns:



Ficamos satisfeitos em ver protestantes rezando o terço, pois o rosário é considerado um instrumento poderoso contra as heresias, como explica Pe. Paulo Ricardo em sua homilia "Santo Rosário, arma contra a heresia":


"Eis por que o Rosário é uma arma poderosíssima: nele estão condensadas todas as verdades em que cremos, as quais são um antídoto contra os erros e desvios de ordem não só intelectual, mas ainda prática e moral. Pela repetição litânica do Pai-nosso, da Saudação angélica e da doxologia, o Rosário é uma verdadeira escola de teologia, pois nos alimenta a fé, sem a qual é impossível agradar a Deus (cf. Hb 11,6), e impede-nos de naufragar no cisma e na heresia."

Compreendemos que o sucesso do Rosário da Madrugada é, de fato, uma daquelas obras da Providência que realizam grandes prodígios em terras brasileiras. Não há nação que concentre tamanha fertilidade espiritual como o Brasil, nem país em que Deus, nos últimos tempos, pareça ter mais prazer em manifestar suas obras.

Contudo, não obstante os méritos e os frutos visíveis obtidos pelo Frei Gilson por meio dessa devoção, é necessário apontar algumas ressalvas importantes. Aqui, convém ao leitor, especialmente aquele mais entusiasmado pelo trabalho do Frei Gilson, exercitar a maturidade espiritual ao considerar tais ponderações. Não são poucos os que interpretam qualquer questionamento como "implicância", "problematização gratuita" ou mesmo como um "ataque" pessoal ao religioso.

Cumpre deixar claro que não é próprio do autêntico católico render culto de personalidade a quem quer que seja. Nomes veneráveis como o de Pe. Paulo Ricardo, Frei Gilson ou qualquer outra figura digna de estima devem ser avaliados com respeito, sim, mas também com objetividade e discernimento. A verdade não se curva diante do prestígio pessoal, nem o bem se sustenta apenas em números impressionantes.

Tal reflexão, longe de ser um ataque, busca apenas relembrar que a fé, em sua essência mais pura, não se alimenta de ídolos ou de fenômenos de massa, mas sim do amor sincero à Verdade e ao Bem supremo, aquele que é o fundamento de toda verdadeira devoção.

Atualmente, os indicadores quantitativos do Rosário da Madrugada são notáveis, mas ainda se aguarda a confirmação de frutos duradouros e de um legado bem estabelecido. Afinal, como nos recorda a sabedoria evangélica, é pelos frutos que se conhece a árvore.

Portanto, enquanto esperamos que o tempo revele a profundidade dessa obra, não nos eximamos de fazer as observações que se mostram pertinentes. A fé, para ser robusta, não teme o exame; e a verdade, para brilhar, não foge à luz da reflexão honesta.

Pois bem. Há, em essência, duas questões que devem ser ponderadas acerca do rosário da madrugada, e a cada fiel cabe examinar sua própria situação com prudência e discernimento:

1. Se o rosário da madrugada não interfere nos deveres de estado

Ainda que as primeiras horas da manhã sejam, por excelência, um tempo propício à oração, o mais desejável é que estas se realizem de maneira a não prejudicar as obrigações cotidianas.

As orações durante a madrugada, especialmente para o leigo sobrecarregado de responsabilidades, podem colidir com os deveres do estado de vida. Não por acaso, existe uma edição do Breviário destinada aos leigos que omite as horas de terça, sexta e nona, já pressupondo a limitação de tempo daqueles que vivem no mundo e não em um claustro.

Portanto, é imprescindível avaliar a conveniência de adotar essa prática devocional. Como ensina São Francisco de Sales em "Filotéia":

"A verdadeira devoção nada destrói; ao contrário, tudo aperfeiçoa. Por isso, caso uma devoção impeça os legítimos deveres da vocação, isso mesmo denota que não é uma devoção verdadeira." (Parte I, cap. 3)

Convém lembrar que Frei Gilson é um religioso, habituado a rezar o Breviário em momentos do dia que um leigo, em geral, não teria condições de dedicar à oração.

2. Se o rosário da madrugada favorece o progresso na oração

A principal finalidade da oração vocal, segundo os mestres da espiritualidade, é inflamar o coração no amor a Deus. Nesse sentido, não importa tanto  a quantidade de orações e nem quão cedo se acorda para rezá-las, mas sim o fervor da caridade que elas despertam na alma. Como adverte Antonio Royo Marín em "Teologia da Perfeição Cristã":

"1ª Não é conveniente multiplicar as palavras na oração, mas insistir sobretudo no afeto interior. Adverte-nos expressamente o Senhor no Evangelho: «Quando orardes não faleis muito, como os gentios, que pensam serem escutados à força de palavras Não vos assemelheis a eles, pois vosso Pai conhece perfeitamente as coisas de que necessitais antes que as peçais» (Mt 6,7-8). Tenham-no em conta tantos devotos e devotas que passam o dia recitando orações inacabáveis, talvez com descuido de seus deveres mais urgentes.

2º Não se confunda a prolixidade nas formulas de oração, que deve cessar quando se tenha alcancado o afeto ou fervor interior, com a permanência na oração enquanto dure fervor. Este último é convenientissimo e deve prolongar-se todo o tempo que seja possivel, inclusive várias horas, se é compatível com os deveres do próprio estado (cf. 83,14 ad 1,2 et q.). O próprio Cristo nos deu exemplo de longa oração, passando nela, ás vezes, noites inteiras (Lc 6,12) e intensificando-a no meio de sua agonia no Getsemani (Lc 22,43), embora sem multiplicar as palavras, mas empregando sempre a mesma fórmula breve: «fiat voluntas tua».

3 Como o fim da oração vocal é excitar o afeto interior, não devemos vacilar um instante em abandonar as orações vocais, a não ser que sejam obrigatórias, para nos entregarmos ao fervor interior da vontade, quando este tenha brotado com força. Seria um erro muito grande querer continuar então a oração vocal, que já havia perdido toda sua razão de ser e poderia estorvar o fervor interior." (n. 495)

Um erro comum entre os devotos do rosário da madrugada é cair no que Adolphe Tanquerey, em seu "Compêndio de Teologia Ascética e Mística", chama de "fervor indiscreto dos principiantes". Trata-se de um zelo precipitado, em que a pessoa se lança a múltiplos esforços de perfeição sem ponderar se tais práticas realmente a santificam:

"A causa principal deste defeito é substituir a própria atividade à de Deus: em vez de refletir antes de operar, em vez de pedir e seguir as luzes do Espírito Santo, precipita-se o homem na ação com ardor febril; em vez de consultar o diretor, faz primeiro o que quer, e só depois é que lhe vai dar conta do fato consumado; donde um sem-número de imprudências, esforços perdidos sem conta: <<magni passus extra viam>>."

Muitos adotam o rosário da madrugada por simples imitação, movidos pela onda do momento, sem um exame criterioso. Contudo, essa prática traz consigo alguns inconvenientes que não podem ser ignorados.

a) O horário. Sendo de madrugada, é naturalmente um período incômodo para a maioria dos leigos, que necessitam de energia para cumprir seus deveres de estado ao longo do dia. O corpo humano, apesar de toda a sua complexidade, ainda não aprendeu a dispensar o repouso, e privar-se dele em nome de uma devoção pode ser mais imprudência que piedade.

b. O uso de telas. Para acompanhar o terço da madrugada, a pessoa precisa acessar plataformas como YouTube ou Instagram, territórios fecundos para a distração. A cada oração rezada, surgem também opções profanas para clicar, mensagens a verificar e conteúdos que atiçam a curiosidade. Ademais, as telas não apenas cansam os olhos, mas também vínculam o orante a consolações sensíveis e imediatas. Querendo ou não, abrir essas plataformas aciona os mecanismos de dopamina em muitos. Uma alternativa mais sóbria e superior às telas são os devocionários impressos, pois são menos lúdicos e dedicam-se exclusivamente à oração.

c. A extensão do tempo. Frei Gilson reza o rosário completo – os 15 mistérios – seguido de uma meditação e, por fim, celebra a missa. Somente o rosário consome cerca de duas horas; se o fiel acompanhar todo o programa, ultrapassará quatro horas. Ora, como já mencionado, as orações vocais, especialmente pela manhã, não devem ser excessivamente longas e extenuantes, mas o suficiente para acender o fervor interior, sem consumir as energias necessárias para o restante do dia.

d.  A substituição da oração pessoal pela coletiva no horário mais precioso para a meditação. Embora a oração comunitária, sobretudo a litúrgica, seja objetivamente superior, a oração particular é mais eficaz para a santificação individual da alma. Como ensina o teólogo Antonio Royo Marín:

"Não esqueçamos que, em definitivo, é cada alma quem ora, porque mesmo a oração comum cada um deve apropriar-se e personalizar, e nem sempre as funções e fórmulas comuns correspondem às pré-disposições pessoais. É, naturalmente, o sujeito quem deve procurar acomodar-se ao espírito religioso da Igreja. Porém, é indubitável que muitas vezes o orante encontra na liberdade de sua comunicação pessoal com Deus, maior facilidade e maior fruto." (Teologia da Perfeição Cristã, n. 489)

Com efeito, a experiência espiritual indica que a oração individual produz frutos mais profundos para a alma na maioria dos casos. E, como sublinha o Pe. Lucas Altmeyer (IBP) no sermão "Os Católicos Barulhentos e a Presença de Deus":

"O melhor momento para a oração é a manhã, porque a agitação do dia ainda não dissipou o nosso espírito. É uma questão natural. Nós ainda não estamos mergulhados nas preocupações do dia. Estamos mais recolhidos, mais propícios ao recolhimento. Quem perde a oração da manhã tem grande chance de ser um fracassado na vida de oração durante o dia também."

Portanto, embora o rosário da madrugada possa ser praticado com boa intenção, é necessário ponderar se tal prática não está substituindo silenciosamente aquilo que é mais simples, mais silencioso e, paradoxalmente, mais profundo: a oração pessoal no segredo da manhã silenciosa, quando a alma, ainda não dispersa pelas inquietações diárias, pode fitar o Criador com um coração indiviso.

e. Os ruídos. O rosário do Frei Gilson, embora mais sóbrio que o habitual em círculos carismáticos, ainda preserva aquela "Voz Gigantesca" que, por mais que tentemos, nunca conseguimos silenciar completamente. Os discursos do Frei, o violão com suas melodias worship, são como ecos que reverberam em nossos corações. E, como não poderia deixar de ser, tudo isso é transmitido, sem filtros ou pausa, diretamente no Instagram ou no YouTube. Em outras palavras, a "guloseima espiritual" se mistura ao ruído constante, logo na primeira oração da manhã, como um banquete oferecido com pressa.

O Beato Frei Maria Eugênio do Menino Jesus, OCD, em sua obra "Quero ver a Deus", nos adverte que o progresso na oração demanda de nós "exigências muito particulares de silêncio e solidão". Ele nos recorda que, para ouvir a verdadeira voz de Deus, devemos primeiro aprender a silenciar o mundo ao nosso redor — uma arte cada vez mais difícil em tempos de excessos. A reflexão é clara: como pode a alma alcançar Deus, se não é capaz de ouvir a própria voz na quietude?:

"Toda a tarefa que exige aplicação séria das nossas faculdades supõe o recolhimento e o silêncio que a tornam possível. O estudioso tem necessidade de silêncio para pre-parar suas experiências, para anotar-lhe com cuidado as condições e os resultados. O filósofo recolhe-se na solidão para ordenar e penetrar seus pensamentos.

Este silêncio, que o pensador procura avidamente para dar à reflexão todas as suas energias intelectuais, será ainda mais necessário à pessoa espiritual para aplicar toda a sua alma na busca do seu objeto divino.

No sermão da montanha, Jesus nos fala da necessidade da solidão para a oração:

Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua por-ta, ora ao teu Pai que está lá, no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará.

A oração contemplativa própria das regiões a que chegamos tem exigências muito particulares de silêncio e solidão. A Sabedoria divina, na contemplação, não esclarece apenas a inteligência; ela atua sobre a alma toda inteira. Por isso, exige desta última uma orientação do ser, um recolhimento e uma pacificação daquilo que há de mais profundo nela, a fim de receber a ação de seus raios transformadores." (p. 492-493)

O Pe. Lucas Altmeyer no mesmo sermão que citamos também diz:

"Não é possível conciliar o barulho com a vida espiritual. Música barulhenta, missa barulhenta, oração barulhenta, grupo de oração barulhento, instrumentos barulhentos e até padre barulhento são um fracasso na nossa vida espiritual. Missa barulhenta é um fracasso na nossa vida de oração. Grupo de oração barulhento é um grupo fajuto de oração.

Você pode se sentir bem, você pode gostar sensivelmente de estar ali, mas não significa que você está rezando, ainda que sensivelmente você esteja contente.

A oração verdadeira tem como essência a consciência da presença de Deus e esta presença é silenciosa. Só o silêncio e o recolhimento podem nos dar a verdadeira presença de Deus.

Vocês conhecem a história do Profeta Elias que lemos na Sagrada Escritura. Deus mandou [Elias] subir ao Monte e disse que Ele mesmo passaria diante de Elias. [...] Deus se encontrava na brisa suave. Por isso um católico barulhento jamais encontrará Deus de verdade e muito menos poderá viver na presença do Senhor."

Todos esses inconvenientes deveriam incitar, antes de mais nada, uma reflexão desapaixonada e objetiva: seria o rosário da madrugada, afinal, um instrumento verdadeiramente útil para o progresso na oração, ou apenas uma distração revestida de fervor? Aquele que possui uma grande família — algo raro entre os carismáticos, sem dúvida — deve ponderar: será que vale a pena sacrificar tantas horas da madrugada para rezar o rosário diante das telas, ou seria mais proveitoso unir-se à sua família e rezá-lo em um horário mais apropriado, no calor da convivência familiar?

Para aquele que se encontra excessivamente preso às consolações sensíveis, a questão se impõe com a mesma urgência: vale a pena ceder à tentação de ligar o computador ou o celular nas primeiras horas da madrugada, abrindo as portas do Instagram ou do YouTube, quando o verdadeiro desafio seria, ao contrário, cultivar o desapego? E, por último, para o que deseja superar as dificuldades da oração — distrações, desânimo, secura da alma, e o apego constante às consolações — deve refletir se, na realidade, entregar-se à oração coletiva é a solução definitiva, ou se o mais sábio seria enfrentar, com coragem e sem subterfúgios, as adversidades espirituais em solitário combate.

É evidente, portanto, que não há justificativa alguma para seguir modismos ou ceder à curiosidade vazia. A vida espiritual, de uma seriedade incomensurável, não pode ser arriscada em aventuras impensadas. Aquele que a cultiva deve ser maduro e, acima de tudo, aplicar, com sabedoria, apenas aquilo que, de fato, o une verdadeiramente a Deus.

Mesmo durante a Quaresma, as penitências precisam ser escolhidas com cuidado. Nenhuma alma deve se entregar ao rosário da madrugada "porque sim". Cada penitência deve ser revestida de um propósito claro e específico. Nesse sentido, não podemos deixar de recomendar com veemência o Sermão do Pe. Ivan Chudzik (IBP), intitulado "O que a Quaresma não é: três ilusões sobre a penitência", para que, ao buscarmos a renovação espiritual, saibamos verdadeiramente o que devemos evitar.


Compreendemos que o Rosário da Madrugada é uma devoção inicial, que serve como um suave convite aos católicos de IBGE ou àqueles que, distantes da Igreja, buscam uma reaproximação com o Sagrado. Semelhante a muitas iniciativas da Renovação Carismática, esta prática tem o poder de reacender a chama da fé em corações resfriados. Contudo, é preciso refletir que o católico que, ao longo dos anos, tem se empenhado na vida de oração, e que já percorreu um longo caminho de fé, dificilmente se verá despertando ao romper da madrugada para acionar as telas de um computador ou celular, buscando rezar por meio do YouTube ou Instagram — salvo em casos muito pontuais. Ao contrário, esse fiel cultivará sua oração em um espaço mais íntimo e silencioso, onde o recolhimento e a solidão se tornam o solo fecundo para o diálogo com Deus. Ele reservará a oração coletiva para momentos específicos, como o terço em família ou a novena na igreja.

Feita estas ressalvas, desejamos que o Rosário da Madrugada, como um portal sagrado para muitos, seja luz e guia na conversão dos corações e no despertar das almas para a superação da acídia espiritual. Que aqueles que, porventura, cruzarem o limiar desta porta de fé possam florescer em toda a sua plenitude, jamais se afastando da graça divina, e assim, alcançar a devoção que jamais se apaga – o rosário permanente, a vida eterna.

terça-feira, 4 de março de 2025

Dom Bosco caiu na folia? Derrubando mais uma lorota de Viviane Varela (O Catequista)


Mal publicamos o artigo "Acabando com o Carnaval do "O Catequista"" e a página não satisfeita já inventou mais uma lorota para justificar sua paixão irracional pelo carnaval. Desta vez, a lorota é: Dom Bosco pulou o carnaval com seus meninos do Oratório.

Viviane em nova publicação no Instagram utiliza a biografia "A Vida de Dom Bosco" escrita pelo Pe. Giovanni Battista Lemoyne, para defender que Dom Bosco caiu na folia.


Diz Viviane que Dom Bosco queria ensinar os meninos do Oratório a "como viver o carnaval", a despeito das imoralidades da festa. Contudo, essa argumentação do O Catequista simplesmente não bate com a postura de Dom Bosco e dos padres que o ajudavam até então. Ora, se essa era a lição que Dom Bosco queria ensinar, por que ele não a deu nos carnavais anteriores? A resposta é muito simples: Dom Bosco não estava procurando ensinar como viver bem uma festa mundana. Durante o carnaval, Dom Bosco fazia programações dentro do Oratório, o que é totalmente lícito segundo explicamos no nosso artigo anterior. E a única vez que ele foi a um carnaval público não foi pelas razões ditas pelo O Catequista.

O próprio vídeo de Viviane explica o contexto da motivação de Dom Bosco:
"Naquele ano a Prefeitura de Turim havia autorizado que as instituições de caridade montassem uma barraca na Piazza Castello pra vender nos últimos dias de carnaval o que achassem melhor pro benefício dos pobres atendidos por suas obras."

A intenção de Dom Bosco em ir ao carnaval de Turim era apenas uma: angariar fundos para o Oratório por meio de uma barraca de vendas. Ou seja, Dom Bosco queria ir ao carnaval para trabalhar para o sustento do Oratório, não simplesmente para divertir-se.

A própria biografia utilizada por Viviane narra que Dom Bosco, antes de se entregar à Providência, buscava por todos os meios angariar recursos para o Oratório, sendo até mesmo engenhoso ao fazer isso. Uma de suas engenhosidades foi trabalhar no carnaval, como afirma o Pe. Lemoye:

"Dom Bosco sentiu-se obrigado a tentar esgotar todos os meios humanos, antes de se abandonar cegamente nos braços da Divina Providência. Por isso ele sempre pedia, de mil maneiras, usando as maneiras mais variadas, mais prudentes, mais engenhosas. Circulares, loterias, barracas de doações, e uma centena de outros meios foram usados ​​quando as necessidades eram sérias, e os recursos diários ordinários eram insuficientes.

Durante o carnaval de 1869 ele teve uma ideia singular. Naquela época, o carnaval de Turim era o mais digno, tranquilo e agradável de toda a Itália; basta dizer que uma comissão especial, com plenos poderes e a polícia sob seu comando, zelava pela ordem, pela moral e pelo respeito a todas as classes de pessoas. Pois bem, ele obteve autorização da prefeitura para montar uma barraca de vendas na Piazza Castello, junto com outras instituições de caridade, para seu próprio benefício durante os últimos dias do Carnaval." (A Vida de Dom Bosco, vol. 2)

Ou seja, Dom Bosco tinha uma razão justa e proporcional para ir ao Carnaval. Ele foi por necessidade, não por opção. Como narra a própria biografia, o santo sentia-se obrigado a esgotar todos os meios possíveis para sustentar o Oratório.

Se aplicarmos os princípios expostos no artigo "O Catequista e a Opção Preferencial pelo Laxismo" sobre as espécies de cooperação com o mal, veremos que eventual cooperação de Dom Bosco neste caso seria remota e não necessária, sendo absolutamente escusável ele buscar o sustento do Oratório montando a barraca de vendas na festividade.

Todavia, desonestamente, o O Catequista omite todo esse contexto. Viviane chega a afirmar que Dom Bosco buscava "maneiras de ir ao Carnaval", como se quisesse arranjar desculpas para os seus meninos irem à festividade, quando claramente essa não era a verdade.

Omitindo informações importantes dessa maneira o O Catequista faz um verdadeiro anti-apostolado para os católicos, pois o exerce unicamente para anestesiar as consciências em prol de sua opção preferencial pelo laxismo.

Ademaos, neste caso, a escolha de Dom Bosco como motivo de defesa do Carnaval parece ter sido bem calculada. Neste ano, o Centro Dom Bosco fez críticas públicas ao O Catequista por defender o Carnaval e agora a página busca de alguma forma responder usando o patrono do CDB. Bom, tenha sido esta a intenção ou não, o tiro saiu pela culatra. Dom Bosco não foi ao carnaval pelas razões que o O Catequista quer sugerir.

domingo, 2 de março de 2025

Acabando com o Carnaval do "O Catequista"

Enquanto o mundo católico se prepara para a Quaresma e diversos padres e bispos acautelam os fiéis das mazelas do Carnaval, o Catequista ano após ano, nas proximidades da Quaresma, se dedica a anestesiar as consciências a respeito da festividade.

Em 2024, Alexandre e Viviane Varela já havia publicado fotos dos próprios filhos "caindo na folia", como se vê aqui:




Na época, o casal justificou a publicação argumentando que a Igreja jamais condenara o Carnaval e porque neste baile infantil se encontravam "Muitas senhoras e senhores, jovens bem comportados, uma multidão de crianças e doguinhos, nenhum cheiro de cigarro".

Nota-se de cara neste baile infantil mulheres adultas muito mal vestidas, uma delas de mini-shorts e segurando uma cerveja na mão (o ápice da vulgaridade feminina), mas para o O Catequista era um baile "bem comportado". Veremos que na exposição deste artigo que este baile não cumpre os requisitos mínimos de um baile adequado. Contudo, a consciência de Alexandre e Viviane Varela está totalmente cauterizada quanto à verdadeira honestidade que os ambientes devem ter, afinal, eles não se importam de levar os filhos a uma praia mista com pessoas seminuas depois da Missa, conforme demonstramos no artigo "Sobre a obstinada idolatria dos conservadores católicos às praias".

Este ano, novamente, a página renovou seus votos de apoio ao Carnaval, desta vez apoiando-se nominalisticamente nos casos da Serva de Deus Odetinha e em Santa Giana Molla, que também teriam caído na folia.



Dizemos "nominalisticamente", porque o O Catequista simplesmente se recusa a justificar tecnicamente suas opiniões articulando os princípios da teologia moral ao caso concreto, mas ele simplesmente "extrai" conclusões a partir de comportamentos de certos santos ou pontífices, que puderam ter inúmeros motivos para agir de tal ou qual maneira ou que simplesmente não agiram bem.

Neste exemplo da Serva de Deus Odetinha, por exemplo, há coisa mais inadequada do que uma menina se vestir de menino? Qual a diferença disso para incentivar um menino a brincar de boneca? Qual a diferença de uma menina se vestir de menino no carnaval infantil e um marmanjo se vestir de princesa no carnaval adulto? É uma diferença de grau, não de essência. É evidente que os pais de Odetinha não tinham que permitir tal coisa.

Já de Santa Gianna não há muitas informações do contexto que ela comemorava o carnaval com os filhos, mas, como já informamos inúmeras vezes neste blog, Santa Gianna foi muito mais filha do seu tempo que se possa imaginar, tendo algumas condutas que não eram realmente aconselháveis para uma mãe católica.

Neste blog já argumentamos que o progressismo católico, quando não tem fundamento sólido na doutrina ou na teologia, apela nominalisticamente aos santos, pois sempre haverá algum que, sendo filho do seu tempo e carecendo de boa instrução, não agiu conforme a doutrina ou a boa teologia aconselham a agir. Não precisamos ir longe. Vejamos, por exemplo, o caso da Serva de Deus Chiara Petrillo.

Chiara e o marido eram ardorosos frequentadores da Renovação Carismática e Chiara morreu de forma heroica para levar a sua última gestação para frente. Contudo, Chiara, como qualquer santo que vive em tempos caóticos e sem muita instrução como os nossos, tinha diversos costumes mundanos, embora creiamos que todos eram vividos na mais absoluta boa-fé. Chiara, por exemplo, usava biquini na praia, algo simplesmente escandaloso para a modéstia no vestir, como demonstramos em diversas ocasiões.


Chiara era acostumada com missas hiper carismáticas com todos os problemas que descrevemos no artigo "Sobre o Tradismatismo". Em seu funeral, a missa, novamente, foi hiper carismática, fugindo completamente ao espírito de uma Missa Pro Defunctis, sendo animada com instrumentos musicais totalmente inadequados para a liturgia e até mesmo com o marido de Chiara, Enrico Petrillo, soltando a mão no violão:


Não estamos expondos essas coisas para detratar os santos, mas para mostrar o quão problemático é tomar o exemplo dos santos como se fosse uma norma moral, ainda mais no contexto de caos litúrgico e catequético que vivemos. O fenômeno dos "santos enganados" pelo espírito do tempo será cada vez mais comum, sendo absolutamente necessário os católicos filtrarem adequadamente o que é exemplar na vida dos santos e o que não é.

No caso de Odetinha e Santa Giana sabemos que houve engano dessas santas, tendo em vista a expressa condenação da Igreja aos bailes infantis:
"758. Reprovamos o abandono dos pais, que, concedendo a seus filhos absoluta liberdade no trato com pessoas de sexo diferente, não protegem bastante a sua pureza contra os perigos que a rodeiam, não evitam os namoros precoces, e não robustecem nem fomentam em seus corações o amor à castidade. Por isso, declaramos dignos de igual reprovação aos promotores e fautores dos bailes infantis, e gravissimamente encarecemos no Senhor aos pais, que não exponham seus filhos a tamanhos perigos, ainda que para buscar desculpas para os pecados, apresentem não poucos pretextos, com aparência de honestidade” (Concílio Plenário Limense da América Latina de 1900 aprovado por Leão XIII)
Feita esta introdução façamos agora uma análise da moralidade do carnaval, para que tenhamos uma visão justa do tema.

O carnaval enquanto festa

O Carnaval é um espetáculo público com danças. Assim, deve-se levar em conta as principais normas da moralidade tanto para o espetáculo quanto para a dança. Adianta-se, desde já, que o carnaval ser "popular", "mirim" ou "adulto" não é critério suficiente para julgar a situação.

1. Quanto aos espetáculos. Em geral, não são maus em si. Mas, segundo a opinião comum dos moralistas, seriam gravemente escandalosos se promovessem:

a) músicas e artes obscenas, antirreligiosas ou contrárias aos bons costumes;

b) roupas indecentes;

c) todo tipo de excesso (drogas, bebedeiras, chistes, etc).

As pessoas que participassem desses eventos, mesmo sem perigo pessoal, pecariam gravemente por escândalo (Zalba, Royo Marin). Aqui a normal é clara: não basta você estar sadio no local, o ambiente como um todo também precisa estar.

Por estes critérios o carnaval, mesmo o infantil, já se torna uma realidade muito difícil de se frequentar no Brasil, uma vez que raramente se observa o atendimento desses critérios.

Aqui pedimos licença para o leitor para notar como a página O Catequista é completamente amadora na abordagem desse assunto.

O Catequista defende com ardor o Frevo pernambucano como uma alternativa legítima de entretenimento carnavalesco. Na publicação deste ano de defesa do Carnaval, pode-se inclusive encontrar comentários de seguidores do O Catequista a respeito do Frevo e o endosso da página à festividade:






Notemos como os seguidores do O Catequista, seguindo o exemplo da página, são incapazes de um raciocínio moral. Defendem o Frevo porque ele é "cultural" ou porque a festividade faz parte da "identidade" deles, não porque seja algo moralmente sadio. Aqui funciona a lógica dos apegos, não da razão retamente aplicada. Todas as pessoas de consciência laxa pensam dessa maneira. A coisa é certa ou errada segundo o grau de apego/simpatia da pessoa, não segundo as normas da moralidade.

O Catequista aplaude os comentários e acrescenta seu endosso ao carnaval pernambucano.

Todavia, quando observamos o Frevo constatamos que ele não é celebrado de forma decente. Neste festival constata-se um grau altíssimo de indecência das mulheres. Vejamos que, nesta festividade, as moças costumam usar vestidos curtíssimos expondo totalmente as pernas e quando fazem pulos e giros a roupa íntima fica totalmente à mostra.




Aqui relembremos a orientação de Pio XI:
"Que os pais mantenham suas filhas longe do público de jogos e competições de ginástica, mas se as suas filhas são obrigadas a frequentar essas exposições, deixá-los ver que elas estejam totalmente e modestamente vestidas."  (AAS, 1930, vol. 22)
O Frevo já foi um espetáculo um pouco mais modesto, como fica evidente nas imagens abaixo, mas com a decadência dos costumes ele próprio rendeu-se à indecência do vestir.




O Catequista não repara essas coisas porque, como dissemos, ele está anestesiado. Muitos anos de praia e de "Dança dos Famosos" entorpece todo tipo de consciência. Se o O Catequista defende a praia como um lugar adequado para um católico ir, apoiar o indecente Frevo pernambucano é fichinha.

2. Quanto aos bailes. A opinião comum dos teólogos não presume honestidade dos bailes públicos e mistos. A razão é manifesta: não são bailes controlados. Gury-Ferreres em "Compendium Theologiae Moralis" esclarecem o perigo de bailes públicos e mistos:
"O perigo provém de um duplo motivo: da íntima união dos corpos do homem e da mulher, e de que os que dançam se perdem entre a multidão, abandonados a si mesmos, dando lugar a uma maior liberdade para conversas indecentes [majorem libertatem habeant verba minus casta proferendi], quando todas as circunstâncias contribuem a incitá-los a pecar; e quanto mais familiaridade existe entre os que dançam, mais perigosas são estas danças e devem ser evitadas de qualquer modo.” (tomo I, n. 242)
Por isso Antonio Royo Marín em "Teologia Moral para Leigos" assinala que os bailes, se mistos, devem ser privados e combinar as seguintes condições:
1) Em locais privados e honestos; uma festa de casamento ou familiar, diante dos pais ou de pessoas de bons hábitos.

2) Com pessoas decentes; que sejam cavalheiras e sem malícia.

3) De maneira decente; uso de trajes que não sejam escandalosos ou sensuais.

4) Com boa intenção; com finalidade honesta ou honrosa. Ex: se divertir honestamente, encontrar um marido/esposa.
Nota-se por mais este critério que mesmo o "baile infantil" sugerido pelo O Catequista estaria condenado, tendo em vista que se trata de um baile público e não é festejado de maneira decente.

Outros moralistas também distinguem a honestidade dos bailes segundo (i) o modo de dançar e (ii) em razão das pessoas

(i) No modo de dançar. Diversos moralistas (Arregui, Vicente Hernandez, Genicot, etc) e várias Conferências Episcopais apontaram o tango, a valsa, a mazurca, o galope, a polca, o schottisch, a habanera, a kamel-trot, o shimmy, o check-to-check, o one-step, o blues, o samba, o rock, etc., danças em que o homem e a mulher se abraçam apertado, dão giros, um passa por baixo das pernas do outro, etc., como danças que oferecem ocasiões próximas de pecado grave, tendo em vista o tipo de contato que há entre sexos, os gestos e a significação deles.

Observemos que um desses estilos, o tango, uma dança argentina altamente sensual, tem grande simpatia do Papa Francisco. Contudo, é impossível negar que ela seja uma ocasião de pecado grave, haja vista o tipo de interação e movimentos sensuais que há entre os dançarinos. O tango é a dança mais lembrada pelos moralistas como exemplo de dança intrinsecamente desonesta.





Daí a importância de não interpretar todos os comportamentos ou gostos pessoais dos santos e dos pontífices como se fossem normas morais. Primeiro, porque o exemplo das outras pessoas, por mais estimadas que sejam, não é para nós uma normal moral. Seremos julgados tendo como parâmetro os mandamentos, não as outras pessoas. Segundo, porque não podemos buscar escusar nossas ações com base na consciência do outro. Isso é infantilismo espiritual. Terceiro, porque nem todos os santos foram realmente exemplares em todas as suas ações. Em muitas delas foram filhos de seu tempo, embora sempre de boa-fé.

Observamos nesse quadro também, como exemplo de dança desonesta, o samba. De fato, o samba requer, principalmente das mulheres, muitos movimentos de quadril, rebolados, algo intrinsecamente sensual.  Não é à toa que os carnavais de samba no Brasil são altamente sensualizados. A sensualidade não é uma corrupção do samba, mas é ínsita dele.



Poderíamos facilmente acrescentar ao samba outras danças indecentes, mas, infelizmente, bastante populares no Brasil, como o pagode axé, o forró e o funk.

(ii) Em razão das pessoas. Diz respeito à honestidade e à decência das pessoas que dançam. Edouard Genicot em "Theologia Moralis" assim explica:
"A decência dos bailes depende especialmente das pessoas que nelas participam e do modo de dançar: por isso o confessor, quer ao permitir quer ao proibir as danças, deve prestar muita atenção à possibilidade ou não, especialmente às primeiras. Assim, as danças realizadas entre algumas famílias nas casas estão geralmente expostas a muito menos perigo do que as do público, tanto do campo como da cidade. Alguns condenam severamente o método de dançar já habitual mesmo nas famílias respeitáveis ​​(polca, etc.), que as mulheres pobres devem abraçar com tal habilidade que parece impossível evitar graves pecados de luxúria. Outros, porém, como Berardi (De Recid. II. n. 165), não pensam que este perigo moral esteja tão universalmente presente, pois a própria experiência e os testemunhos dos penitentes parecem mostrar o contrário. E não é tão surpreendente assim: pois o toque entre o homem e a moça, feito na solidão e somente com esse carinho, muitas vezes o moverá mais à luxúria, do que quando a mente está distraída com muitas outras coisas e concentrada no ritmo da dança. Porém, existem danças, como o tango, o boston, que são absolutamente repreensíveis. Geralmente o perigo é maior nas danças mascaradas, porque muitos, libertos do medo de serem reconhecidos pelos outros, comportam-se com mais liberdade." (vol. 1, n. 241)
Antonio Arregui em "Summarium Theologiae Moralis" explica que o perigo dos bailes gradua-se da seguinte forma:
(i) bailes mascarados; concentra muitos perigos. Pessoas anônimas por trás de suas máscaras ou que assumem certo personagem durante o carnaval tendem a todo tipo de excessos.

(ii) bailes públicostambém ocasiona grandes perigos, tendo em vista a grande aglomeração de pessoas e o pouco controle do que se faz nele.

(iii) bailes em salões fechadosseria a danceteria moderna ou "balada". É um ambiente mais controlado, contudo, em geral, são ambientes escuros, com grande aglomeração de pessoas, o que favorece os pecados contra a castidade.

(iv) bailes privados, entre famílias honestas. São as festas controladas e com pessoas escolhidas. Geralmente, são festas familiares ou de casamento. Bailes feitos nessas circunstâncias, desde que com pessoas decentes, podem ser permitidos.
Apliquemos tais normas ao contexto do carnaval. Trata-se, como todos sabem, de um baile mascarado e público, ou seja, os dois piores tipos de bailes. Não é sem motivo que o carnaval é tão conhecido por suas extravagâncias e imoralidades. Mesmo o carnaval infantil, como vimos, não está isento de perigos. Tendo em vista que o carnaval mirim busca imitar o carnaval adulto, não será raro encontrar grande imodéstia no vestir nas meninas, danças inapropriadas, músicas inadequadas e maus exemplos de outras crianças, já que não há muito controle nos bailes públicos.

Genicot, teólogo belga do século XIX, já dizia que os bailes feitos nas suas regiões eram intrinsecamente maus:
"Embora, teoricamente, reger danças possa ser um ato de virtude, na prática, como acontece em nossas regiões, é inerentemente perigoso e ocasião para muitos pecados. Portanto, os confessores devem ser incentivados e sabiamente afastados deles, mas especialmente os jovens de ambos os sexos que até agora viveram na castidade." (Ibidem)
O que dizer, portanto, de um "carnaval mirim" com mulheres mal vestidas e com danças imodestas como o samba? Nenhum pai responsável deveria levar seus filhos para esses lugares.


Os Papas e o Carnaval

Por fim, lidemos com uma última objeção do O Catequista. Um seguidor fez um comentário lúcido a respeito da Serva de Deus Odetinha:


O comentário foi perfeito. Odetinha morreu com apenas 9 anos de idade. Crianças nessa idade, conforme explicamos no artigo "O novo curso de Bernardo Küster e o Catolicismo Tradicional", possuem aquilo que chamamos de "certeza respectiva da fé":
"Em suma, a fé autêntica, tal como nós, católicos, a entendemos, pressupõe e exige uma certeza racional prévia do fato da revelação de Deus. Desta forma, a fé será um assentimento prudente, firme e irrevogável, que são propriedades do verdadeiro ato de fé. Para as crianças e os rudes, a “respectiva” certeza deste fato da revelação será suficiente; Para muitos adultos, a certeza <<vulgar>>> do mesmo será suficiente. Mas aos estudantes universitários e aos estudantes de teologia que queiram proceder cientificamente devem ser dadas demonstrações científicas e objetivamente válidas deste fato fundamental para a fé." (Miguel Nicolau, "A Crise da Igreja", n. 108)
A certeza respectiva significa que a criança crerá tendo como base o ensino do pai e da mãe, do professor católico, do catequista ou do pároco, prescindido daquilo que se denomina "demonstração científica da fé".

Em outras palavras, se os pais de Odetinha disseram que o carnaval era bom, a base da moralidade de Odetinha não será qualquer teólogo moral ou documento pontifício, mas a afirmação dos pais. Portanto, apelar para a "santinha" impelida pelos pais a participar do carnaval é um argumento muito fraco para justificar a festa.

O Catequista respondeu a objeção da seguinte maneira:



Aqui parece que temos o argumento mais "sério" do O Catequista em sua defesa falida do Carnaval. Os papas teriam autorizado e patrocinado oficialmente os carnavais de rua de Roma até a unificação italiana. Portanto, vamos para a folia!

No entanto, é preciso dizer que, novamente, o O Catequista cai na armadilha de tirar conclusões apressadas a partir de comportamentos dos pontífices ao invés de sentar na cadeira e raciocinar a partir de princípios bem definidos. O modus operandi do O Catequista é sempre este: ele não busca pensar, ele busca atalhos.

Pelo raciocínio do O Catequista seria lícito, por exemplo, mulheres irem seminuas ou de topless à missa, já que São João Paulo II celebrou uma missa para nativos seminus de Papua Nova Guiné em 1984:






Pois bem, é evidente que o raciocínio do O Catequista está errado. Sabemos que entre o século XVI e o XIX foram numerosíssimos os santos reprovavam o carnaval. Em suas "Meditações", Santo Afonso de Ligório, patrono da Teologia Moral, por exemplo, dirigia palavras duríssimas contra o carnaval:
“Por este amigo, a quem o Espírito Santo nos exorta a sermos fiéis no tempo da sua pobreza, podemos entender que é Jesus Cristo, que especialmente nestes dias de carnaval é deixado sozinho pelos homens ingratos e como que reduzido à extrema penúria. Se um só pecado, como dizem as Escrituras, já desonra a Deus, o injuria e o despreza, imagina quanto o divino Redentor deve ficar aflito neste tempo em que são cometidos milhares de pecados de toda a espécie, por toda a condição de pessoas, e quiçá por pessoas que lhe estão consagradas. Jesus Cristo não é mais suscetível de dor; mas, se ainda pudesse sofrer, havia de morrer nestes dias desgraçados e havia de morrer tantas vezes quantas são as ofensas que lhe são feitas.

É por isso que os santos, a fim de desagravarem o Senhor de tantos ultrajes, aplicavam-se no tempo de carnaval, de modo especial, ao recolhimento, à penitência, à oração, e multiplicavam os atos de amor, de adoração e de louvor para com o seu Bem-Amado. No tempo do carnaval, Santa Maria Madalena de Pazzi passava as noites inteiras diante do Santíssimo Sacramento, oferecendo a Deus o sangue de Jesus Cristo pelos pobres pecadores. O Bem-aventurado Henrique Suso guardava um jejum rigoroso a fim de expiar as intemperanças cometidas. São Carlos Borromeu castigava o seu corpo com disciplinas e penitências extraordinárias. São Filipe Néri convocava o povo para visitar com ele os santuários e realizar exercícios de devoção. O mesmo praticava São Francisco de Sales, que, não contente com a vida mais recolhida que então levava, pregava ainda na igreja diante de um auditório numerosíssimo. Tendo conhecimento que algumas pessoas por ele dirigidas, que se relaxavam um pouco nos dias de carnaval, repreendia-as com brandura e exortava-as à comunhão frequente.

Numa palavra, todos os santos, porque amaram a Jesus Cristo, esforçaram-se por santificar o mais possível o tempo de carnaval. Meu irmão, se amas também este Redentor amabilíssimo, imita os santos. Se não podes fazer mais, procura ao menos ficar, mais do que em outros tempos, na presença de Jesus Sacramentado ou bem recolhido em tua casa, aos pés de Jesus crucificado, para chorar as muitas ofensas que lhe são feitas."
Também sabemos que Papa Bento XIV instituiu as 40 horas de adoração ao Santíssimo em reparação aos pecados cometidos no carnaval e concedeu indulgência plenária a quem participasse da adoração.
"A Igreja repetidamente fez esforços para verificar os excessos do carnaval, especialmente na Itália. Durante o século XVI, em particular, uma forma especial da Oração das Quarenta Horas foi instituída em muitos lugares na segunda e terça-feira do entrudo, em parte para afastar as pessoas dessas perigosas ocasiões de pecado, em parte para fazer expiação pelos excessos cometidos. Por uma constituição especial endereçada por Bento XIV aos arcebispos e bispos dos Estados Pontifícios, e intitulada "Super Bacchanalibus", uma indulgência plenária foi concedida em 1747 àqueles que participaram da Exposição do Santíssimo Sacramento, que deveria ser realizada diariamente por três dias durante a temporada de carnaval." (Fonte: Aleteia)
Portanto, é inequívoco que a tanto a Igreja quanto os santos sabiam que o carnaval era ou havia se tornado, no mínimo, uma festa problemática. Então por que ele continuou até a unificação italiana?

A resposta mais provável é que os Papas simplesmente toleraram o carnaval, tal como São João Paulo II tolerou a imodéstia dos nativos de Papua Nova Guiné, dado o enraizamento da festa na cultura popular. Como sabemos, os papas entre os séculos XVI e XIX tinham sob sua tutela os chamados Estados Pontifícios e não podiam simplesmente acabar com todos os problemas sociais na canetada. Por isso toleravam certos males. Trata-se aqui exatamente do princípio do mal menor. A aplicação deste princípio explica com perfeição a continuidade dos carnavais nos territórios pontifícios e a condenação ininterrupta dos santos a essa festividade.


Conclusão

De todo o exposto, fica manifesto o desserviço que tem prestado o O Catequista (mais um) a respeitto do carnaval. Mesmo que, em tese, se pudesse dizer que nem todo carnaval é mau, atualmente, não há carnaval sadio no Brasil. Assim, ao invés de gastar tempo e energia tentando convencer os católicos que se pode achar uma agulha no palheiro (agulha que, como vimos, nem o O Catequista encontrou), o O Catequista poderia incentivar os católicos a entrarem em espírito de recolhimento para a Quaresma.

Ademais, o carnaval, das grandes festas, é a que menos tem sentido. O que se comemora no carnaval? Qual herói é lembrado, qual data histórica é recordada, que santo é venerado, que Salvador é adorado? Nenhum. O carnaval tornou-se uma festa de vazão, vazão de uma alegria sem causa e sem nobreza. Por que incentivar os católicos a participarem de algo sem sentido, com muitas ocasiões próximas de pecado, sendo que eles podem recolher-se para uma Quaresma cheia de significado?

Que larguem esse laxismo vergonhoso que só levam às pessoas a pecarem mais e tomem a Cruz que a Quaresma convida a abraçar.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Papa Francisco adoece. Qual deve ser a atitude do católico que se sente machucado pelo pontificado?


O Papa Francisco segue internado no hospital Gemelli de Roma há 14 dias. O quadro do pontífice, segundo os últimos boletins médicos, segue complexo e com prognóstico reservado, isto é, sem uma previsão clínica de melhora, embora o Santo Padre tenha apresentado uma leve melhora nos últimos dias.

Diante desse cenário, o Vaticano convocou vigílias de oração pela recuperação da saúde do pontífice e o mundo católico como um todo se levantou para rezar pela mesma intenção.

Contudo, é simplesmente um fato que o pontificado do Papa Francisco tem sido marcado como um dos mais polarizados da História. O pontífice é reconhecido como um dos grandes representantes do progressismo católico e diversas ações do seu pontificado foram marcadas por notáveis polêmicas. Enumeramos algumas: 

a) O desmantelamento da Pontifícia Academia para a Vida mediante a reforma de seu estatuto, incluindo nisso a retirada da declaração de fidelidade dos seus membros ao Magistério e admissão de membros abortistas;

b) A abertura de uma pastoral, em Amoris Laetitia, para promover a comunhão para casais em segunda união, revertendo a pastoral proposta pela Veritatis Splendor;

c) A reversão da doutrina da pena de morte;

d) A dolorosa e severa restrição da Missa Tridentina mediante a promulgação do motu proprio "Traditiones Custodes";

e) O sepultamento da "Reforma da Reforma" de Bento XVI;

f) A promoção do clero progressista, principalmente do lobby LGBT;

g) O reerguimento da Teologia da Libertação;

h) A permissão de benção de pares homossexuais em "Fiducians Supplicans";

i)  O partidarismo na punição de bispos e cardeais conservadores;

j) A ruptura com a venerável tradição do serviço do altar exclusivamente masculino;

k) Apoio a políticos abortistas e combate a políticos conservadores;

l) A declaração de que todas as religiões levam a Deus e que a pluralidade delas é um dom ou presente de Deus;

m) A declaração de desejo por um inferno vazio. 

 

A lista de controvérsias não é pequena e por tais razões muitos proeminentes católicos chegaram a aventar que estaríamos diante do pior pontificado da História. Durante o pontificado de Francisco, além de haver um grande decréscimo das vocações, verificamos notórios católicos, alguns deles heróis de guerra da apologética católica, cardeais, bispos, etc., adotarem uma postura crítica ao pontificado, tais como Scott Hahn, Phil Lawler, George Weigel, Ralph Martin, Edward Feser, Cardeal Sarah, Dom Athanasius Schneider, Cardeal Gerard Müller, Eric Sammons, Karl Keating, entre outros.

No atual pontificamos, verificamos como os grandes machucados pelo pontificado de Francisco os católicos tradicionais, que foram surpreendidos com a reversão do motu proprio Summorum Pontificum de Bento XVI pela Traditiones Custodes. Este documento foi particularmente doloroso, porque recolocou a Igreja em uma situação análoga aos anos 80, nos quais as missas tridentinas eram extremamente raras e o que restava ao católico era se contentar com a já controversa Missa Nova cheia de abusos litúrgicos. No entanto, além de tradicionalistas, muito católicos ratzengerianos e wojtylianos (George Weigel, por exemplo) também encontram-se entre os católicos ressentidos com o atual pontificado, dado que Francisco, infelizmente, tornou-se conhecido por reverter a obra de seus últimos dois predecessores, esta sempre muito marcada pela busca da correção dos excessos do Concílio e pela perseguição da reconciliação interna da Igreja.

Pois bem. Ao que parece o Papa Francisco chegou ao seu estado mais delicado de saúde de seu pontificado. Os médicos não excluem o risco de morte. Diante desse cenário, muitos católicos foram criticados por católicos progressistas por não estarem, neste momento, apresentando muita comoção pública pela recuperação física do pontífice. Michael Matt, por exemplo foi duramente criticado por Dave Armstrong por fazer a seguinte afirmação em seu em seu Instagram:

"Somos obrigados a orar por uma recuperação rápida e completa do Papa Francisco? Por que essa seria a santa vontade de Deus? Francisco tem 88 anos. Vamos orar para que ele se arrependa, tenha uma morte feliz e enfrente a eternidade nas boas graças de Deus, independentemente do que pensemos de seu pontificado."

Matt é um conhecido tradicionalista americano e ferrenho opositor do pontificado de Francisco. Nesta fala, Matt entende que não estamos obrigados a rezar pela recuperação da saúde do papa, mas apenas por sua conversão e boa eternidade com Deus. Dave julgou a fala de Matt como verdadeiramente desprezível, dando a entender que o desejo de todo católico deve ser o reestabelecimento da saúde do papa. 


Tradução:

"Reacionário Michael Matt (do infame "Remnant"): Não estamos obrigados a rezar pela recuperação do Papa, mas sim por seu arrependimento!

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"Somos obrigados a orar por uma recuperação rápida e completa do Papa Francisco? Por que essa seria a santa vontade de Deus? Francisco tem 88 anos. Vamos orar para que ele se arrependa, tenha uma morte feliz e enfrente a eternidade nas boas graças de Deus, independentemente do que pensemos de seu pontificado." [20-2-25 em seu trapo vergonhoso]

Efésios 6:18 (RSV) "Orem em todo o tempo no Espírito, com toda oração e súplica. Para esse fim, mantenham-se alertas com toda a perseverança, fazendo súplicas por todos os santos."

Tenho alertado as pessoas sobre o Remnant e outros grupos reacionários desse tipo durante os 28 anos desde que tenho um site/blog. Há mil boas RAZÕES para isso: uma delas é evidente nas opiniões e no comportamento desprezíveis de Matt."

Não compartilhamos de muitas das opiniões de Michael Matt e não entendemos como razoável a sua postura muitas vezes acintosa contra o Santo Padre. Devemos sempre ter em mente que o Sumo Pontífice, como ensina o Pe. William Faber em "Da Devoção ao Papa", é realmente uma pessoa venerável, razão pela qual devemos ter verdadeira piedade filial, independente de quem seja. Não é admissível a um cristão zombar ou desprezar o Sumo Pontífice. Não é possível, por isso mesmo, nutrir ódio de inimizade, pelo qual se deseja o mal enquanto tal ao próximo, contra o Santo Padre.

No entanto, devemos nos perguntar: Michael Matt mentiu? Católicos que foram feridos por este pontificado estão realmente obrigados a desejar e rezar pela pronta recuperação do Papa? É o que iremos descobrir.

Para tanto façamos um digressão sobre (i) como se compreende o ódio e a caridade pelos inimigos e (ii) se um papa pode ser o nosso inimigo.


O ódio e o amor pelos inimigos

Santo Afonso de Ligório ao tratar do ódio e do amor aos inimigos em sua Teologia Moral distingue o ódio de inimizade do ódio de abominação:

"Embora seja pecado mortal ex genere suo o ódio de inimizade, ou seja, à pessoa secundum se e aos bens que em si possui, desejando-lhe mal por mal, ou na medida em que é mal para ela; contudo muitas vezes é lícito o ódio de abominação, ou seja, de qualidade, com o qual aborrecemos não o homem, mas sua malícia, ou a pessoa em quanto é má, ou prejudicial a nós, como ensina Coninck e as opinião comum."

E complementa:

"É lícito desejar mal ao próximo, por exemplo, temporal (desde que não seja mais grave que justo), em quanto é para ele um bem, por exemplo, doença ou adversidade, para que se emende dos seus pecados. Bonacina", com funda-mento em muitos. Mas é preciso prevenir que não seja feito por vingança, com que pecas mortalmente, conforme se pode ler no Salmo 108 sobre o inimigo. Porém, em geral, é lícito desejar a outras pessoas, com afeto ineficaz, males de pena por causa do bem espiritual próprio ou alheio: porque, como nesse afeto se antepõe o bem espiritual ao temporal, não é desordenado. Veja-se Lessius. - [Veja o que será dito no Liv. V, n. 21].

<<Assim, é lícito, por exemplo, desejar a morte ao heresiarca ou ao perturbador da paz pública, por causa do bem comum e de muitos; conforme o passo de Gálatas 5, 12: Oxalá fossem cortados. Também é lícito entristecer-se com as dignidades concedidas aos indignos, ou com a saúde de quem dela se vale para pecar. Igualmente é lícito desejar a alguém a morte, pobreza ou doença, para que abandone o pecado e mude de vida. Pela mesma razão, Bonacina, Azor e Palao escusam de pecado a mãe que deseja a morte das filhas, quando, por alguma deformidade ou penúria, não lhes pode arranjar núpcias por meios honestos e cômodos». [Isto porém não se deve admitir de jeito nenhum; como dizem acertadamente os Salmanticenses e Roncaglia)"

Segundo padroeiro dos confessores e moralistas, o ódio de inimizade é aquele em que odiamos a pessoa em si mesma e desejamos a ela o mal pelo mal, isto é, como um ato de vingança. Já no ódio de abominação se detesta não a pessoa, mas a sua malícia, os seus pecados ou o mal que faz a nós. O ódio de inimizade é proibido nutrirmos contra qualquer pessoa, inimiga ou não, porque somos obrigados por dever de caridade a desejar a salvação do próximo. Desejar o mal gratuito ao inimigo significaria um ódio à criação de Deus e à bondade que ele inscreveu nas criaturas. Assim, odiar uma pessoa é o odiar o próprio Deus. O ódio de abominação, porém, é lícito termos, desde que não odiemos a pessoa em si mesma, e poderíamos inclusive desejar um mal temporal, mesmo a morte, para um inimigo visando o bem moral dele, isto é, a sua conversão e mudança de vida, ou o bem comum. Inclusíve é lícito nos entristecermos com a saúde de quem dela se utiliza mal.

O mesmo entendimento é seguido por outros moralistas. Antonio Royo Marín, em sua "Teologia Moral para Leigos", assim ensina:

"Já falamos dele ao expor a doutrina sobre o perdão aos inimigos. Aqui nos limitamos a recordar alguns princípios fundamentais.

1.º) O ÓDIO DE INIMIZADE (pelo qual se deseja ao próximo algum mal enquanto tal, ou se tem alegria por seus males, ou tristeza por seus bens) opõe-se diretamente à caridade (amor de benevolência) e é em si pecado mortal, a não ser por pequenez de matéria ou imperfeição do ato. Consta expressamente na Sagrada Escritura (1Jo 2, 9; 3, 14-15; 4, 20, etc.) e pelo fato de que o próximo, ainda que seja mau e pecador, foi redimido por Cristo, é membro do Corpo místico de Cristo (em ato ou em potencia) e está destinado à vida que são outros tantos motivos de caridade.

2.º) O ÓDIO DE ABOMINAÇÃO (que recai sobre o próximo enquanto pecador, perseguidor da Igreja, ou pelo mal que nos causa injustamente) pode ser reto e legítimo caso se deteste não a pessoa mesma do próximo, mas o que há de mau nela; porém, caso seja odiada pelo que há nela de bom ou pelo mal que nos causa justamente (v.g., o juiz, o superior, etc., castigando legitimamente o delinquente), opõe-se à caridade (amor de concupiscência) e é pecado em si grave, a não ser por pequenez de matéria ou por imperfeição do ato.

3.º) Não há pecado algum em desejar ao próximo algum mal fisico, mas sob a razão de bem moral (v.g., uma enfermidade para que se arrependa sua má vida). Tampouco o seria alegrar-se com a morte do próximo que propagava erros ou heresias, perseguia a Igreja, etc., contanto que este gozo não redunde em ódio para com a própria pessoa que causava aquele mal. A razão é que odiar o que em si é odioso não é nenhum pecado, mas totalmente obrigatório quando se odeia segundo a reta ordem da razão e da maneira e com a finalidade devidas. Não obstante, é preciso estar muito alerta para não passar do ódio de legítima abominação do mal ao ódio de inimizade para com a pessoa culpada, o que nunca é lícito, ainda que se trate de um grande pecador, já que ainda está em tempo de se arrepender e se salvar. Somente os demônios e os condenados do inferno se tornaram definitivamente indignos de todo ato de caridade em qualquer de suas manifestações." (n. 538)

Antonio Arregui em "Summarium Theologiae Moralis" igualmente diz:

"Nem todos os penitentes que se acusam de ódio são imediatamente acusados ​​de pecado grave; pois muitas vezes confundem o ódio da inimizade, que é exercido contra uma pessoa em si mesma e dos bens que ela possui, com o ódio da abominação, que é exercido contra suas más qualidades, ou sobre uma pessoa considerada prejudicial para nós, ou com uma aversão natural e invencível que não é má em si." (n. 140)

Portanto, não é contrário ao preceito de amarmos os nossos inimigos o ódio de abominação e o desejo de certos males para sua correção ou para o bem comum. Com isto estabelecido, abordaremos agora se é possível existir ódio de abominação contra um papa.


Os maus papas e o ódio de abominação

Não há qualquer dúvida razoável de que maus papas existiram. Até mesmo o mais ferrenho dos continuístas é capaz de reconhecer esta verdade. Na História da Igreja já se viu papas sodomitas, assassinos, estupradores, fornicadores e favorecedores de heresia. Alguns desses Papas foram publicamente defenestrados pela Igreja Romana, sendo o maior exemplo o Papa Honório. Honório, independente se ensinou heresia ou não, não tem boa memória perante a Igreja e é contado entre os anematizados por ela.

Com efeito, é possível afirmarmos que, sim, um papa pode ser tanto inimigo pessoal de um indivíduo, já que é capaz de pecados mortais contra a vida, o matrimônio, o patrimônio de alguém, etc., quanto um inimigo da Igreja, na medida em que diz heresias (Se um Papa pode ser herege é disputado entre os teólogos) ou que as favorece (não é disputável se um Papa pode favorecer heresias, pois a Igreja confirmou que Honório fez isso).

Sendo assim, é igualmente possível existir ódio de abominação a um pontífice.

Nesse contexto, é simplesmente um fato que o pontificado de Francisco machucou muitos católicos. Papa Francisco tomou decisões impopulares que geraram (e ainda geraram) uma onda de desconfiança e até de profundo ressentimento contra o Sumo Pontífice. Lembremos que a Traditiones Custodes dizimou comunidades inteiras e frutuosas de católicos ligados à Missa Tridentina. Uma ação pastoral dessas dificilmente não poderia ser enquadrada como um pecado contra caridade. Mesmo um católico progressista como Karl Rahner reconhecia que o Papa que pretendesse extinguir um rito tradicional cometeria uma falta gravíssima contra a caridade e a unidade da Igreja:

"Imagine que o Papa, como pastor supremo da Igreja, emitiu hoje um decreto exigindo que todas as igrejas unidas do Oriente abandonassem a sua liturgia oriental e adoptassem o rito latino... O Papa não excederia a competência do seu primado jurisdicional e o decreto seria legalmente válido.

Mas também podemos colocar uma questão totalmente diferente. Seria moralmente lícito que o Papa emitisse tal decreto? Qualquer homem razoável e qualquer cristão verdadeiro teria de responder “não”. Qualquer confessor do Papa teria de lhe dizer que na situação concreta da Igreja hoje tal decreto, apesar da sua validade jurídica, seria subjetiva e objetivamente uma ofensa moral gravíssima contra a caridade, contra a unidade da Igreja bem entendida (que não exige uniformidade), contra a possível reunião dos Ortodoxos com a Igreja Católica Romana, etc., um pecado mortal do qual o Papa só poderia ser absolvido se revogasse o decreto." (Studies in Modern Theology de Karl Rahner (Herder, 1965, pp. 394-395)

Pe. Chad Ripperger igualmente afirma em seu livro "The Binding Force of Tradition" que o ataque aos monumentos da Tradição, nos quais os ritos tradicionais se inserem, é um pecado, podendo ser até mesmo grave, contra a caridade:

"Se alguém ama o próximo, desejará garantir que o próximo receba a tradição tão plenamente quanto possível para o bem da sua salvação. As extensas mudanças recentes na tradição tornaram mais difícil a salvação das nossas almas, o que é contra a caridade. O assalto aos monumentos, bem como a clareza doutrinária sobre a fé e a moral ensinada pela Igreja, devastou os afetos que as pessoas têm pelas coisas da fé e às quais estão apegadas de uma forma devidamente ordenada. O impacto que teve nas pessoas é claramente contra a caridade e não pode ser interpretado de outra forma que não seja pecaminoso, muitas vezes gravemente pecaminoso, especialmente quando falamos do desprezo com que estas coisas foram mudadas, bem como do desprezo demonstrado por aqueles que foram atados a elas de maneira corretamente ordenada."

Papa Francisco, ademais, foi um tanto controverso nesta decisão, tendo em vista que revogou inteiramente a legislação de um predecessor ainda vivo, Bento XVI, colocando em risco a credibilidade das decisões da Igreja.

Além disso, as declarações polêmicas tais como "Gosto de pensar em um inferno vazio", "A pluralidade das religiões é um dom de Deus", "A pena de morte é inadmissível para além de toda circunstância" são tão ou mais problemáticas que o ensino dúbio de Honório.

Por tais motivos, é totalmente compreensível que alguns católicos se sintam verdadeiramente feridos e ressentidos com Francisco e não nutram agora afetos especiais de amizade, não fiquem entristecidos com sua enfermidade e nem façam comoção pública pela sua rápida recuperação.

Os sentimentos desses católicos não são censuráveis, se não são movidos por ódio de inimizade, mas unicamente pelo desejo de que os males temporais ajudem o Papa a mudar os rumos do pontificado ou a conquistar a vida eterna (opinião de Michael Matt) ou ainda para ver o fim de um governo especialmente doloroso.

É preciso dizer que Deus exige de nós uma caridade sobrenatural para com o próximo, mas não exige, absolutamente, uma caridade repulsiva à natureza ou contrária ao bem comum. Em outras palavras, Deus quer que conservemos em absoluto o desejo de salvação do próximo, porém não exige que desejemos ao próximo a preservação de todo mal. Alguns males temporais, em certas circunstâncias, são medicinais para ele. Desejar ao próximo todo bem possível e imaginável não seria nem mesmo reto em algumas ocasiões, especialmente naquelas em que a justiça precisa seguir seu curso.

Pois bem. O que esses católicos machucados pelo pontificado podem fazer então? As opções são diversas. Eles podem:

1. Rezar pela recuperação do Papa, para que não venha um papa pior. Esta posição é uma das sugestões indicadas por Santo Tomás de Aquino em "De Regno":

"Verdadeiramente, costuma acontecer, na tirania, tornar-se a posterior mais grave que a precedente, pois não retira os gravames anteriores e, até, pela perversidade do coração, excogita novos. Por essa razão (Valério Máximo, Memorabilia, VI, 2, ext. 2), como outrora, em Siracusa, todos desejassem a morte de Dionísio, certa velha orava continuamente a fim de que ele ficasse incólume e sobrevivesse a ela. Disso sabendo, interrogou o tirano por que fazia assim. Ao que respondeu: “Quando eu era menina, como tivéssemos pesado tirano, desejava a morte dele; morto esse, sucedeu-lhe outro algo mais rude, cujo fim de dominação eu tinha por grande bem. E começamos a ter um governo mais intolerável, que és tu. Portanto, se fores derrubado, sucederá um pior no teu lugar”." (Cap. VII)

2. Rezar pela recuperação do Papa, mas pedindo que ele se torne santo ou mude os rumos do pontificado. Nesse sentido, pode-se rezar a prece "Oremus Pro Pontifice Nostro" que pede a Deus que vivifique o Papa e lhe dê santidade de vida na Terra.

℣.Oremus pro Pontifice nostro NN.

℟. Dominus conservet eum, et vivificet eum, et beatum faciat eum in terra, et non tradat eum in animam inimicorum eius.

℣. Tu es Petrus,

℟. Et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam.

Oremus.

Deus, omnium fidelium pastor et rector, famulum tuum NN, quem pastorem Ecclesiae tuae praeesse voluisti, propitius respice: da ei, quaesumus, verbo et exemplo, quibus praeest, proficere: ut ad vitam, una cum grege sibi credito, perveniat sempiternam. 

Per Christum, Dominum nostrum. 

℟. Amen.

3. Rezar para que a doença enfrentada pelo Papa o ajude a se santificar.

4. Rezar para que, se o destino do Papa for o pior, que ele descanse em amizade com Deus. Esta é a posição de Michael Matt.

5. Rezar para que, se o Papa falecer, ele descanse em amizade com Deus e que o seu sucessor seja um bom papa. Esta parece ser a posição de Timothy Gordon:



6. Rezar para que Deus exerça seu juízo e vontade sobre o pontífice poderando, na oração, as dificuldades do pontificado.

Todas essas atitudes não contrariam a devida piedade filial ao Papa e o amor aos inimigos. Em nenhuma dessas hipóteses se deseja o mal em si do Pontífice, mas somente o bem dele ou da Igreja nas condições pontuadas pelos teólogos.

Dito isso, rezemos pelo Papa Francisco para que Deus exerça sua soberana vontade em todas as coisas e que o Papa, quer nesta vida ou na outra, seja um grande amigo de Deus.

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