Em nosso artigo anterior apresentamos uma refutação à defesa feita por Viviane Varela da página "O Catequista" a respeito da acolitagem feminina das missas. Na presente postagem responderemos às objeções mais comuns ao serviço exclusivamente masculino do altar.
Quanto ao discernimento vocacional
1. "O sacerdócio não exige o afastamento completo das mulheres, tal como a vocação religiosa. Assim, os rapazes devem se acostumar com mulheres no altar para aprenderem a lidar com o sexo oposto de maneira saudável."
Esta objeção foi realizada pelo apologista católico Dave Armstrong e pode ser encontrada aqui. O argumento falha, contudo, em considerar que o serviço do altar não foi ordenado para ter interações próximas entre homens e mulheres.
Quando observamos a antiga tradição dos levitas, constamos que antes de servirem o Templo eles se abstinham de relações sexuais com suas esposas, para que suas mentes e corações estivessem completamente puros e livres de quaisquer pensamentos ou paixões contra a castidade durante o serviço divino (1 Sm 21, 5-6)
Esta prática, diz Bento XVI, em "Do profundo de nosso coração", inspirou o celibato cristão, que elevou o temporário celibato levita ao celibato permanente.
Portanto, o serviço do altar não foi feito para promover a interação entre os sexos, mas para diminuir esse intercâmbio.
Nesse sentido, a Igreja desenvolveu uma série de disciplinas, sem dúvidas inspiradas pelo Espírito Santo, que custodiavam a guarda dos olhos e a castidade do sacerdote e dos fiéis, tais como: a celebração versus Deum do sacrifício, o uso piedoso do véu, o serviço exclusivamente masculino do altar, a separação dos sexos durante a celebração do sacrifício e as rúbricas litúrgicas que orientavam o olhar do padre durante a Missa.
Infelizmente, no rito paulino, quase todas essas disposições foram removidas e os sacerdotes e os fiéis ficaram desprotegidos contra a imodéstia e a impureza. As desvantagens dessas remoções foram manifestas: imodéstia nas missas, revolta contra o ensino da Igreja a respeito da castidade, escândalos sexuais em profusão, entre outros.
Devemos dizer que o ambiente adequado para a interação entre sexos já existe e é a família. É nela que todos aprendem lidar com todos.
2. "O serviço feminino do altar ajuda as mulheres a discernirem sua vocação religiosa."
Este argumento logra ainda menos de força, pois a vida religiosa, como salienta Armstrong, exige uma forte separação dos sexos. Com efeito, a assistência mista do altar, ao invés de incentivar o discernimento religioso, ao contrário, atrapalha.
Ademais, a vida religiosa se define essencialmente pela profissão dos votos de pobreza, obediência e castidade, não sendo diretamente ordenada para o serviço do altar. O chamado a essa vocação sempre estará relacionado com a atração pelos votos, vida de oração e despreendimento do mundo, não sendo o exercício do serviço do altar um caminho ordinário de discernimento da vocação religiosa, ainda mais o serviço feminino cuja função é inadequada para as mulheres.
Nesse sentido, em nenhum dos grades escritos católicos de discernimento vocacional o serviço do altar é indicado como um sinal de vocação religiosa. A respeito, observa-se a lista do Pe. William Doyle, conhecido por ter escrito obras de discernimento vocacional, no livro "Vocations", que elenca 12 principais sinais de vocação religiosa:
"1. Um desejo de ter uma vocação religiosa, junto com a convição de que Deus está chamando você. Esse desejo é geralmente mais fortemente sentido quando a alma está calma, após a Sagrada Comunhão e em tempo de retiro.
2. Uma atração crescente pela oração e pelas coisas sagradas em geral, juntamente com um anseio por uma vida escondida e um desejo de estar mais intimamente unido a Deus.
3. Ter ódio do mundo, convicção de sua vacuidade e insuficiência para satisfazer a alma. Esse sentimento é geralmente mais forte em meio à diversão mundana.
4. Medo do pecado, no qual é fácil cair, e desejo de escapar dos perigos e tentações do mundo.
5. Às vezes é sinal de vocação quando uma pessoa teme que Deus possa chamá-la; quando ela reza para não tê-la e não consegue banir o pensamento de sua mente. Se a vocação for sólida, ela logo dará lugar a uma atração, por meio do Padre Lehmkulhl diz: “Não é preciso ter uma inclinação natural para a vida religiosa; pelo contrário, uma vocação divina é compatível com uma repugnância natural pelo estado.”
6. Ter zelo pelas almas. Perceber algo do valor de uma alma imortal e desejar cooperar em sua salvação.
7. Desejar dedicar toda a nossa vida para obter a conversão de alguém que nos é querido.
8. Desejar expiar nossos próprios pecados ou os dos outros e fugir das tentações às quais nos sentimos fracos demais para resistir.
9. Uma atração pelo estado de virgindade.
10. A felicidade que o pensamento da vida religiosa traz, suas ajudas espirituais, sua paz, mérito e recompensa.
11. Um desejo de sacrificar-se e abandonar tudo pelo amor de Jesus Cristo, e de sofrer por Ele.
12. A disposição de alguém que não tem dote ou muita educação de ser recebido em qualquer função é prova de uma vocação real."
Como se nota, o gosto pelo serviço do altar não se encontra entre os sinais preementes de vocação religiosa.
3. "Se o rapaz é chamado ao sacerdócio, não será a acolitagem feminina que irá impedi-lo".
Este argumento é dado novamente pelo apologista Dave Armstrong aqui:
"Eu tenho sustentado que se alguém tem um chamado, ele não será frustrado por meramente ser um coroinha ou não. Se um menino se sente levado a ser um coroinha, ele o fará, quer haja meninas ou não. Um chamado é muito mais profundo do que meros elementos externos e circunstanciais. Se pensarmos que depende deles, não acho que estamos compreendendo o que é uma vocação em primeiro lugar.
[...]
Como se passa de:
“Eu acredito [forte inclinação; não totalmente certo] que Deus está me chamando para ser padre”
para:
“Não tenho certeza se Deus ainda está me chamando”
só porque coroinhas mulheres estão servindo na paróquia de alguém?
Isso não faz sentido para mim. Deus está chamando uma pessoa para ser padre ou não. Se Ele está (da perspectiva de Deus) não tem absolutamente nenhuma relação com fatores externos como coroinhas, oposição na família, etc."
No entanto, o argumento também é falho. Armstrong presume que a vocação sacerdotal necessita de algum sentimento de confirmação interior do candidato. Contudo, a vocação sacerdotal, ao contrário da vocação religiosa, não exige qualquer inclinação ou atração por esse estado de vida, bastando a idoneidade e a reta intenção do candidato. É o que afirma a Santa Sé, como narra o Pe. Doyle no livro "Devo ser padre?":
"Grande ênfase foi colocada no fato de que, uma vez que uma vocação era um dom gratuito de Deus, um ato pelo qual Ele seleciona alguns em preferência a outros, essa escolha deve ser conhecida interiormente à alma tão favorecida; sem essa vocação interior, seria presunção e o cúmulo da tolice aspirar a tal dignidade, relembrando o aviso de São Paulo: “Ninguém toma para si a honra, senão aquele que é chamado por Deus, como Arão” (Heb. v.).
O resultado desse ensinamento impreciso, agora mostrado como totalmente contrário à mente da Igreja, foi que muitos rapazes, possuindo todas as qualificações para se tornarem padres esplêndidos, foram informados de que não tinham vocação, porque não tinham atração sensível pela vida, e até mesmo medo e pavor de suas obrigações.
[...]
Uma comissão especial de cardeais, nomeada pelo Papa Pio X, tendo examinado a questão, aprovou totalmente o ensinamento do Cônego Lahitton sobre vocações sacerdotais, e seu julgamento foi formalmente sancionado pelo decreto de 2 de julho de 1912. Deste decreto da Santa Sé agora é certo:
(a) Que uma vocação ao sacerdócio não inclui necessariamente qualquer inclinação interior da pessoa ou inspiração do Espírito Santo;
(b) Que tudo o que é exigido dos aspirantes à Ordenação é “uma intenção correta, e tal aptidão de natureza e graça, como evidenciado na integridade de vida e suficiência de aprendizado, que dará uma esperança bem fundada de seu cumprimento correto das obrigações do sacerdócio.”
(c) Que, dadas essas condições, uma verdadeira vocação é inquestionavelmente conferida pelo Bispo no momento da Ordenação.
Sendo assim, podendo existir até mesmo certo medo do candidato, é mais que necessário que a vocação sacerdotal seja incentivada pela Igreja. E o método da Igreja mais tradicional e eficaz de incentivar e de quebrar todas as resistências psicológicas dos rapazes sempre foi o serviço exclusivamente masculino do altar.
Por fim, a objeção ignora que o discernimento e a escolha vocacional são sempre precedidos de uma boa preparação removendo-se todos os obstáculos possíveis, já que obstáculos, como o próprio nome sugere, apenas atrapalham o bom discernimento.
4. "As vocações estão aumentando. Não há porque temer o acolitato feminino."
Este argumento foi replicado por Viviane Varela em sua sequência de stories para justificar o acolitato feminino, que rebatemos no artigo "As grandes bobagens de Viviane Varela (O Catequista) sobre as diaconisas e o serviço feminino do altar".
O argumento, no entanto, é fantasioso. Viviane Varela não apresenta qualquer dado a respeito, mas apenas a sua impressão pessoal da sua realidade paroquial. Contudo, os fatos refutam Viviane. No anuário estatístico da Igreja de 2021-2022, período que houve a abertura às mulheres ao acolitato e leitorado instituídos, embora tenha crescido, em geral, o número de católicos, diminuiu o número de seminaristas e religiosos, como informa a ACI Digital:
"Segundo dados de 2021, há 109.895 seminaristas, dos quais 61% são seminaristas diocesanos e os 39% restantes são religiosos. Em comparação com 2020, eles caíram 1,8%."
Nos anos anteriores, a realidade não foi muito diferente. Aumento de católicos, diminuição de vocações.
O aumento de católicos não surpreende. Apostolados aumentaram ao redor do mundo, principalmente nos EUA e na América Latina, o que tem auxiliado na conversão de leigos. Contudo, a vidas religiosa e sacerdotal continuam num vale de lágrimas. Não há qualquer atrativo atual nessas vocações. E não existe por hora qualquer indicativo de que essa situação irá melhorar.
Quanto à adequação pastoral
5. "O acolitato feminino é baseado na dignidade batismal do leigo. Assim, não há porque considerar mulheres indignas do serviço do altar."
Esta razão é um pouco mais substancial que as objeções anteriores, tendo em vista o apelo teológico ao sacerdócio comum dos fiéis. No entanto, ela falha em fazer uma importante distinção que mostraremos a seguir.
Boa parte dos fatos teológicos não existem em razão de alguma necessidade lógica. Por exemplo, a redenção do gênero humano não tinha por necessidade a morte de Cristo. Contudo, o consenso dos Santos Padres e dos Santos Doutores da Igreja era que a Paixão de Cristo foi um meio muito conveniente para Deus salvar a humanidade.
Nesse sentido, quando verificamos a distinção entre sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, constamos alguns atos do ministério ordenado que podem ser delegados para alguns leigos, como a distribuição da Eucaristia por um batizado ao invés de um não-batizado. Todavia, não há qualquer dúvida razoável de que a distribuição das espécies é um ato de dignidade sacerdotal, dado que as mãos do sacerdote foram consagradas para tocar o Corpo de Cristo, como aduz São Tomás:
"A distribuição do corpo de Cristo pertence ao sacerdote por três razões. Primeiro, porque, como foi dito acima ( Artigo 1 ), ele consagra como na pessoa de Cristo. Mas como Cristo consagrou Seu corpo na ceia, assim também Ele o deu a outros para serem partilhados por eles. Consequentemente, como a consagração do corpo de Cristo pertence ao sacerdote, assim também a distribuição pertence a ele. Segundo, porque o sacerdote é o intermediário designado entre Deus e o povo; portanto, como lhe pertence oferecer os dons do povo a Deus, assim também lhe pertence entregar os dons consagrados ao povo. Terceiro, porque por reverência a este sacramento, nada o toca, exceto o que é consagrado; portanto, o corporal e o cálice são consagrados , e da mesma forma as mãos do sacerdote, por tocarem neste sacramento. Portanto, não é lícito a ninguém mais tocá-lo, exceto por necessidade, por exemplo, se cair no chão, ou em algum outro caso de urgência." (S. Th., III pars, q. 82. a. 3)
Notemos que um não-consagrado é o último da fila para tocar o Corpo de Cristo, pois, ainda que tenha dignidade batistmal, há uma ordem de dignidades para certas funções e o simples batismo não confere ao leigo o direito de exercer prerrogativas sacerdotais sem uma causa justa ou grave.
Como demonstramos no artigo "As grandes bobagens de Viviane Varela (O Catequista) sobre as diaconisas e o serviço feminino do altar", embora a função de acólito possa ser desempenhada por um leigo, o serviço do altar não é uma função de leigo, mas de quem integra as ordens sagradas. Assim, a Igreja teve a sabedoria de sempre por o sexo masculino no serviço do altar, pois, quando não fosse possível o serviço por um diácono, se conservava melhor a dignidade das ordens sacras, já que ainda se preservava certa adequação e verossimilhança.
O sexo feminino, no entanto, não se mostra adequado de nenhum modo, tendo em vista que é vedada pela doutrina da Igreja a ascensão de mulheres ao diaconato e ao presbiterato, não guardando qualquer verossimilhança.
Não sem razão que o Papa São Gelásio nomeou o serviço feminino como um certo desprezo às coisas divinas, visto que não conservava a ordem de dignidades para o culto divino.
6. "O acolitato feminino permitirá uma melhor distinção entre as ordens sacras e as ordens não-sacras."
Este argumento foi fornecido pelo Papa Francisco na carta que acompanhava o motu proprio Spiritus Domini ao Prefeito do Discatério para a Doutrina da Fé.
"Desta forma, além de responder ao que é pedido para a missão no tempo presente e de acolher o testemunho dado por tantas mulheres que cuidaram e continuam a cuidar do serviço da Palavra e do Altar, tornar-se-á mais evidente — também para aqueles que se orientam para o ministério ordenado — que os ministérios do Leitor e do Acólito estão enraizados no sacramento do Batismo e da Confirmação. Deste modo, no caminho que conduz à ordenação diaconal e sacerdotal, aqueles que são instituídos Leitores e Acólitos compreenderão melhor que participam num ministério partilhado com outros batizados, homens e mulheres. Deste modo, o sacerdócio próprio de cada fiel (commune sacerdotium) e o sacerdócio dos ministros ordenados (sacerdotium ministeriale seu hierarquicum) serão ordenados ainda mais claramente uns para os outros (cf. LG , n. 10), para a edificação da Igreja e para o testemunho do Evangelho."
Com todo o respeito filial que temos ao Santo Padre, mas as razões suscitadas não parecem se sustentar. Ponderemos com as seguintes observações:
1. As funções de ler as lições e de servir ao altar não estão enraizadas em si mesmas no sacramento do Batismo e da Confirmação, mas no da Ordem. O que, talvez, o Santo Padre queira dizer é que o exercício delegado dessas funções esteja enraizado no batismo e na confirmação, não o exercício do altar em si mesmo. Portanto, faltou ao texto esta distinção;
2. Depois de 50 anos de Reforma Litúrgica é impossível sustentar que a ordenação do sacerdócio comum para o sacerdócio ministerial ficou mais clara com a invasão de mulheres no altar. Na verdade, a prática mostra o contrário. Cada vez é mais comum a impugnação do sacerdócio e do diaconato exclusivamente masculino. Ora, na disposição anterior, isto é, com o serviço exclusivamente masculino, era possível entender quais funções realizadas por leigos eram ordenadas às Ordens Sagradas e quais não eram, pois as ordens menores claramente eram fases preparatórias para as Ordens Sacras, o que era adequado somente aos homens. Já a prática atual predominante em toda a Igreja traz confusão. Todos fazem tudo e se obscurece a razão das mulheres serem excluídas do diaconato. Deve-se lembrar que a ordem de uma coisa para outra se observa quando uma, de certo modo, tenciona à outra como fim. Com efeito, se mulheres não estão ordenadas às ordens sacras, fica incompreensível entender de que o modo o sacerdócio comum tenciona ao sacerdócio ministerial com o serviço feminino do altar.
6. "O acolitato feminino ajudará a incluir cada vez mais as mulheres na Igreja."
Esta razão foi dada novamente dada pelo Papa Francisco na carta que acompanhava a "Spiritus Domini".
"O compromisso dos fiéis leigos, que «são simplesmente a imensa maioria do povo de Deus» (Francisco, Exortação Apostólica Evangelii gaudium, n. 102), certamente não pode e não deve esgotar-se no exercício dos ministérios não ordenados (cf. ibidem), mas uma melhor configuração destes ministérios e uma referência mais precisa à responsabilidade que nasce, para cada cristão, do Batismo e da Confirmação, pode ajudar a Igreja a redescobrir o sentido de comunhão que a carateriza e a iniciar um renovado compromisso na catequese e na celebração da fé (cf. ibidem ). E é precisamente nesta redescoberta que a sinergia frutuosa resultante da ordenação mútua do sacerdócio ordenado e do sacerdócio batismal pode encontrar uma melhor tradução. Esta reciprocidade, do serviço ao sacramento do altar, é chamada a refluir, na distinção das tarefas, para aquele serviço de «fazer de Cristo o coração do mundo», que é a missão particular de toda a Igreja. É precisamente este, embora distinto, serviço ao mundo que alarga os horizontes da missão da Igreja, impedindo-a de ser encerrada em lógicas estéreis destinadas sobretudo a reivindicar espaços de poder, e ajudando-a a experimentar-se como uma comunidade espiritual que «caminha juntamente com toda a humanidade, participa da mesma sorte terrena do mundo» (GS , n. 40). É nesta dinâmica que podemos verdadeiramente compreender o significado da “Igreja em saída”.
No horizonte de renovação traçado pelo Concílio Vaticano II, existe hoje um crescente sentido de urgência em redescobrir a corresponsabilidade de todos os batizados na Igreja, e especialmente a missão dos leigos. A Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazónica (6-27 de outubro de 2019), no quinto capítulo do documento final assinalou a necessidade de pensar em “novos caminhos para a ministerialidade eclesial”. Não só para a Igreja Amazónica, mas para toda a Igreja, na variedade de situações, «é urgente promover e conferir ministérios a homens e mulheres... É a Igreja dos batizados que devemos consolidar promovendo a ministerialidade e, sobretudo, uma consciência da dignidade batismal» (Documento Final, n. 95).
[...]
Uma distinção mais clara entre as atribuições dos que hoje são chamados “ministérios não ordenados (ou laicais)” e “ministérios ordenados” torna possível dissolver a reserva dos primeiros apenas aos homens. Se em relação aos ministérios ordenados a Igreja «não tem de modo algum a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres» (cf. S. João Paulo II, Carta Apostólica Ordinatio sacerdotalis, 22 de maio de 1994), para ministérios não ordenados é possível, e hoje parece oportuno, superar esta reserva. Esta reserva fazia sentido num contexto particular, mas pode ser reconsiderada em novos contextos, tendo sempre como critério a fidelidade ao mandato de Cristo e o desejo de viver e proclamar o Evangelho transmitido pelos Apóstolos e confiado à Igreja para que possa ser escutado de forma religiosa, guardado de forma santa e fielmente anunciado.
[...]
A decisão de conferir estes ofícios, que implicam estabilidade, reconhecimento público e um mandato do bispo, também às mulheres, torna mais eficaz na Igreja a participação de todos na obra de evangelização. «Isto também permite que as mulheres tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na liderança das comunidades, mas sem deixar de o fazer com o estilo próprio da sua marca feminina» (Francisco, Exortação Apostólica Querida Amazonia, n. 103). O “sacerdócio batismal” e o “serviço à comunidade” representam assim os dois pilares sobre os quais se baseia a instituição dos ministérios."
Causa estranheza esta argumentação do Papa Francisco. Ao mesmo tempo em que afirma que a Igreja não pode ser "encerrada em lógicas estéreis destinadas sobretudo a reivindicar espaços de poder" ele diz que o ministério do Acolitato e do Leitorado foram conferidos às mulheres para que "elas tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais importantes e na liderança das comunidades". Em outras palavras, a razão pastoral para se abrir tais funções às mulheres é justamente a lógica que se diz combater, isto é, a lógica da reinvidicação de poder.
Infelizmente, parece que subjaz no âmago dessa argumentação a suposição da teoria marxista da luta de classes dentro da Igreja. Sabemos que o Papa Francisco tem simpatia pela Teologia da Libertação e não é nada improvável que várias das suas perspectivas pastorais estejam embuídas do espírito dessa teologia.
Não negamos que alguma luta de classes possa ter existido dentro da Igreja, mas certamente as ordens menores não fizeram parte disso. A lógica pastoral da Igreja até o século XX era exclusivamente adequar os meios aos fins, isto é, preservar as Ordens Sacras e incentivar as vocações com o serviço exclusivamente masculino do altar. Não havia nenhuma "lógica estéril" ou de poder nisso.
Se a ideia é abrir espaço para as mulheres, não é preciso conferir serviço próprios das Ordens Sacras. Basta recorrer às pastorais tradicionais que, em regra, são muito melhores e mais saudáveis que as atuais. Na Igreja Antiga, as viúvas e as virgens consagradas davam catequese às outras mulheres e ajudavam no trabalho caritativo. Nada impede que as mulheres hoje façam o mesmo.
Por fim, a carta indica que atualmente parece oportuno (deixando claro que se trata de um juízo prudencial e não doutrinal) superar a reserva de que o serviço do altar se destine exclusivamente ao sexo masculino. Contudo, Papa Francisco não deixa claro a razão de superar essa reserva. Fica a coisa no ar. "Podemos superar porque sim".
Quanto à Indefectibilidade da Igreja
7. "O serviço de mulheres não pode ser um mal à Igreja, visto que as leis disciplinares da Igreja não podem impelir os fiéis ao pecado."
Primeiramente, negamos a universalidade de Spiritus Domini. O motu proprio não obriga os bispos a adotarem mulheres acólitas, apenas faculta. Spiritus Domini também sequer vincula todos os ritos, uma vez que no Rito Romano Tradicional e em diversos ritos orientais o serviço feminino continua proibido, não sendo realmente uma lei universal.
Em segundo lugar, concordamos que as leis disciplinares da Igreja não podem impelir os fiéis ao pecado. Contudo, elas podem conter elementos humanos que obscurecem a Tradição e concorrem para novos problemas. Já explicamos esse tópico em nosso artigo anterior.
Os elementos humanos, neste caso, seriam a falta de prudência da lei. A Igreja, hoje, ao fazer a delegação universal do serviço do altar a qualquer leigo, parece desistir da adequação entre meios e fins para o aperfeiçoamento do culto divino. O que era feito na boa teologia tomista apenas em caso de necessidade, agora tornou-se regra geral. Diversos exemplos dessa desistência geral podem ser dados: a substituição do latim pelo vernáculo e o consequente fim do canto gregoriano, a comunhão na mão, a orientação versus populum, etc. São práticas que, infelizmente, atraíram o desprezo pela excelência do culto divino.
A situação da Igreja lembra analogamente a de Oza, levita encarregado por Davi de levar a Arca da Aliança a Jerusalém. Narram as Sagradas Escrituras que Oza foi morto quando tentou salvar com suas próprias mãos a Arca, que caía da carroça que era levada:
"Colocaram a arca de Deus em um carro novo e levaram-na da casa de Abinadab, situada na colina. Oza e Aio, filhos de Abinadab conduziram o carro novo. Oza andava junto da arca de Deus e Aio marchava diante dela. Davi e toda a casa de Israel dançavam com todo o entusiasmo diante do Senhor e cantavam acompanhados de harpa, cítaras, tamborins, sistros e címbalos. Quando chegaram à eira de Nacon, Oza estendeu a mão para a arca do Senhor e susteve-a, porque os bois tinham escorregado. Então a cólera do Senhor se inflamou contra Oza; feriu-o Deus por causa de sua imprudência e Oza morreu ali mesmo, perto da arca de Deus." (II Sm 6, 3-7)
Boa parte dos autores católicos buscaram explicar porque Deus castigou Oza com tamanha severidade sendo que ele apenas buscava salvar a Arca da Aliança com toda reta intenção. A explicação comum que Oza não foi morto apenas porque tocou na Arca com as mãos, mas também porque negligenciou a Tradição de como a Arca devia ser conduzida. Primeiramente, a Arca devia ser carregada nos ombros dos levitas, mas estava sendo levada por uma carroça. É muito provável que Oza se amparava no exemplo dos filiteus quando estes devolveram a Arca da Aliança aos hebreus (I Sm 6, 10). Os filiteus, que haviam roubado a Arca, após sofrerem muitos males pelo furto, a devolveram em uma carroça e nada aconteceu a eles. Contudo, esqueceu-se Oza que os filisteus eram pagãos e as leis divinas não os vinculavam. Assim Oza buscando "adaptar-se aos costumes pagãos" deu duplamente um tratamento inadequado à Arca, primeiro transportando-a de modo inadequado e depois buscando corrigir o problema com outro erro ainda maior.
A Igreja, nos últimos 60 anos, busca uma adaptação ao homem moderno e nesse encalço tem abandonado diversos monumentos da Tradição. Assim, quando as pastorais novas se mostram falhas, os problemas oriundos disso se acumulam. O canto sacro desapareceu das paróquias, a reverência com o Sacramento igualmente e há uma revolta generalizada contra as Ordens Sacras, dado o feminismo crescente entre as mulheres católicas. As autoridades da Igreja, contudo, ao invés de agirem como Davi agiu, isto é, com prudência sobrenatural buscando imediamente corrigir o erro apelando à Tradição, aprofundam o problema com razões até bem intencionadas, mas que, no fundo, são erros ainda piores. O castigo divino disso são abusos litúrgicos absolutamente fora de controle no Novus Ordo.
Notemos, nesse sentido, que a justificativa tradicional para o serviço exclusivamente masculino do altar é assegurar vocações para a Igreja e aperfeiçoar o culto divino, enquanto que a justificativa atual para liberar o acolitato ao sexo feminino não é a nobreza ou o aperfeiçoamento do culto divino, mas o apelo democrático de que mulheres precisam ter novas instâncias de poder e de liderança. O apelo à nobreza ou ao aperfeiçoamento do culto divino simplesmente não é dado ou é secundário. Deus não deixará isso impune.
Ademais, toda essa linguagem de poder é inadequada às mulheres, visto que a Igreja é um patriarcado, porque Cristo quis assim. É claro que este patriarcado não é despótico, mas político. No entanto, as funções de cada um devem ser adequadas. O serviço do altar por mulheres é o equivalente a mulher sustentar o homem dentro da família. Isso pode acontecer, mas apenas a título de necessidade, não como uma regra ou costume geral.
8. "A Igreja não pode errar habitualmente em seus juízos prudenciais. É temerário, portanto, afirmar que uma prática autorizada por 3 papas (SJPII, BXVI e Papa Francisco) seja um erro prudencial."
Concordamos com que o argumento de que a Igreja não pode errar habitualmente em seus juízos prudenciais. Isto é ensinado pelo documento Donum Veritatis:
"Neste âmbito, de intervenções de tipo prudencial, aconteceu que alguns documentos magisteriais não fossem isentos de carências. Os Pastores nem sempre colheram prontamente todos os aspectos ou toda a complexidade de uma questão. Mas seria contrário à verdade se, a partir de alguns casos determinados, se inferisse que o Magistério da Igreja possa enganar-se habitualmente nos seus juízos prudenciais, ou não goze da assistência divina no exercício integral da sua missão." (n. 24)
Por isso mesmo não podemos concordar que o juízo da Igreja de pelo menos 2000 anos da inadequação do serviço do altar pelo sexo feminino seja falso ou inseguro. Por outro lado, o acolitato feminino é uma experiência recente o suficiente, isto é, cerca de 30 anos, para afirmarmos que possa ser uma carência prudencial. A Igreja não limita o tempo e nem o número de pastores que pode emitir juízos prudenciais equivocados, mas sabemos que ele não pode ser de um tipo que dure praticamente a história da Igreja inteira, o que equivaleria a negar a assistência do Espírito Santo.
Este argumento ao invés de prejudicar o argumento a favor da exclusividade do serviço masculino apenas o favorece.
Neste ponto, Viviane Varela, que diz como uma feminista que "vai ter menina no altar, sim", e outros conservadores cometem o erro do "positivismo magisterialista". Pe. Chad Ripperger, em "Topics on Tradition", chama de "positivismo magisterialista" a postura dos católicos e das autoridades eclesiásticas que ignoram a posição prévia do Magistério a respeito de um tema e sequer tentam articular a nova posição com a antiga:
"Magisterialismo é uma fixação nos ensinamentos que pertencem apenas aos membros atuais do Magistério. Como a tradição extrínseca foi subvertida e como o Vaticano tende a promulgar documentos que exibem uma falta de preocupação com relação a alguns dos atos magisteriais anteriores, muitos começaram a ignorar os atos magisteriais anteriores e ouvir apenas o magistério atual.
Este problema é exacerbado por nossas atuais condições históricas. À medida que a comunidade intelectual teológica começou a se desfazer antes, durante e depois do Vaticano II, aqueles que se consideravam ortodoxos eram aqueles que eram obedientes e intelectualmente submissos ao magistério, já que aqueles que discordam não são ortodoxos. Portanto, o padrão de ortodoxia foi deslocado da Escritura, tradição intrínseca (da qual o magistério é parte) e tradição extrínseca (que inclui atos magisteriais do passado, como o Syllabus de Erros de Pio IX), para um estado psicológico no qual apenas o magistério atual é seguido."
O resultado disso, diz Pe. Ripperger, é a amnésia coletiva e a suspeita mútua:
À medida que o positivismo e o magistério cresceram e a tradição extrínseca não permaneceu mais como norma para julgar o que deveria e o que não deveria ser feito, os neoconservadores aceitaram a noção de que a Igreja deve se adaptar ao mundo moderno. Em vez de ajudar o mundo moderno a se adaptar aos ensinamentos da Igreja, ocorreu o processo inverso. Isso levou os neoconservadores a se preocuparem excessivamente com questões seculares politicamente corretas. Em vez de ter uma certa desconfiança do mundo que Cristo nos exorta a ter, muitos padres só ensinarão algo do púlpito, desde que não cause problemas. Por exemplo, quantos padres estão dispostos a pregar contra o feminismo antiescriturístico? O fato é que eles adotaram uma maneira imanentizada de olhar para o que deve ser feito, muitas vezes de um ponto de vista emocional. E isso, juntamente com a correção política, incapacitou as autoridades eclesiásticas diante do mundo e dentro da própria Igreja, onde o processo de imanentização, com sua compreensão falha da natureza do homem e sua condição de trabalhar sob o Pecado Original, minou severamente a disciplina. Mesmo aqueles que tentam ser ortodoxos se acostumaram a normas disciplinares mais brandas, que se encaixam bem na natureza caída, resultando em uma falta de desapego da maneira atual de fazer as coisas e uma consequente relutância dos neoconservadores em exercer autoridade - precisamente porque eles não têm o desapego vital necessário para fazê-lo.
Tudo o que foi dito acima resultou na rejeição dos neoconservadores da tradição extrínseca como norma. É por isso que, mesmo em "bons" seminários, o patrimônio espiritual dos santos praticamente nunca é ensinado. Além disso, isso explica por que os neoconservadores parecem confusos sobre o real significado da tradição. Como não é um princípio de julgamento para eles, eles são incapazes de discuti-la em profundidade. Na verdade, eles ignoram a tradição extrínseca quase tanto quanto os "liberais". Mesmo quando os neoconservadores expressam o desejo de recuperar e seguir a tradição extrínseca, eles raramente o fazem quando se trata de tomar decisões concretas.
[...]
Essa mudança fundamental de perspectiva deixou os tradicionalistas com a sensação de que estão lutando pelo bem da tradição extrínseca sem a ajuda e muitas vezes impedidos pelo magistério atual. Liturgicamente, os tradicionalistas julgam o Novus Ordo à luz da Missa de Pio V e os neoconservadores julgam a Missa Tridentina, como é chamada, à luz do Novus Ordo. Isso vem do hegelianismo que sustenta que o passado é sempre compreendido à luz do presente, ou seja, a tese e a antítese são entendidas à luz de sua síntese. Isso leva a uma mentalidade de que o mais novo é sempre melhor, porque a síntese é melhor do que a tese ou a antítese tomadas isoladamente. Sendo afetados por isso, os neoconservadores muitas vezes assumem ou são incapazes de imaginar que a disciplina atual da Igreja pode não ser tão boa quanto a disciplina anterior. Existe hoje uma mentalidade que sustenta que "porque está presente (hegelianismo), porque vem de nós (imanentismo), é necessariamente melhor".
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O domínio do hegelianismo e do imanentismo também levou a uma forma de amnésia eclesiástica coletiva. Durante o início dos anos 1960, existia uma geração que recebeu toda a tradição eclesiástica, pois a tradição ainda estava sendo vivida. No entanto, porque eles trabalharam sob os erros acima mencionados, essa geração escolheu não passar a tradição eclesiástica para a geração subsequente como algo vivo. Consequentemente, em uma geração, a tradição extrínseca praticamente morreu. No final dos anos 1960 e início dos anos 1970, a formação em seminário e universidade na Igreja Católica excluía aquelas coisas que pertenciam à tradição eclesiástica. Uma vez que a geração anterior escolheu esse curso, não lembrar e ensinar as coisas do passado, isso nunca foi passado adiante e, portanto, aqueles que eles treinaram, ou seja, a geração atual, foram consignados a sofrer ignorância coletiva sobre seu patrimônio e herança."
Pe. Ripperger sintetiza com brilhantismo o pensamento católico conservador atual ou o "opusdeísmo cultural". O conservador católico médio despreza a tradição extrínseca da Igreja. Basta observar as razões suscitadas por Viviane Varela para explicar o porquê antigamente mulheres eram excluídas do altar. Nenhuma justificação doutrinária ou espiritiual é levantada, apenas motivações machistas e de ignorância. O conservador médio nunca tenta salvar a Tradição mostrando a nobreza dela ou articulá-la com a disciplina atual, mas sempre defende a atual disciplina contrapondo um cenário anterior como se fosse um estado de coisas indefensável. Viviane em sua defesa do acolitato feminino chega dizer que um cenário em que somente homens servem no altar "não volta mais" (Não volta mais por que, Viviane? Muitos hábitos na Igreja voltaram). Este tipo de frase é comum ao conservador hegeliano, principalmente quando se trata de uma conservadora feminista, pois, para ele, é inconcebível voltar de verdade à Tradição.